segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Loucura atrás das grades


  • No Distrito Federal, falta estrutura para atender mulheres

    Única ala de tratamento psiquiátrico é improvisada em presídio; nela só há homens

    O improviso do governo do Distrito Federal ignorou as mulheres. É como se, no universo dos loucos infratores na capital do país, elas não existissem. Brasília não tem um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico nem um programa de acompanhamento das medidas de segurança aplicadas pela Justiça. A solução encontrada desde 1999 foi improvisar uma ala de tratamento psiquiátrico, anexada ao Presídio Feminino do Distrito Federal. Nessa ala, todos os 90 presos são homens. Já as mulheres com transtornos mentais absolvidas pela Justiça e em cumprimento de medida de segurança não têm um local específico para ficar: estão no Presídio Feminino, junto às outras detentas. O GLOBO identificou quatro casos: duas mulheres na unidade de prisão provisória e duas em regime fechado. O tratamento psiquiátrico se resume a altas doses de medicação. ...

    Uma pesquisa sobre a saúde mental da população carcerária em São Paulo, prestes a ser publicada numa revista científica, mostra a maior prevalência de transtornos mentais entre as mulheres. Os transtornos atingiam 39% das presas, ante 22% dos detentos, no ano da pesquisa (2007).

    O estudo foi conduzido por Sérgio Baxter Andreoli, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) especializado em psiquiatria epidemiológica. Ele ouviu 1.192 homens e 617 mulheres. Patologias importantes, como a esquizofrenia, o transtorno bipolar e a depressão graves, eram uma realidade de 14,7% das presas e 6,3% dos homens. O levantamento é um dos únicos existentes em maior escala no país.

    — Os homens cometem mais crimes do que as mulheres, mas elas estão mais associadas aos quadros de transtorno psiquiátrico. A mulher precisa de uma atenção maior já na triagem — diz Sérgio Baxter.

    No improviso, tratamento é feito sem diagnóstico

    Nas alas de tratamento psiquiátrico em presídios e manicômios judiciários, o atendimento médico chega por último às mulheres. São universos predominantemente masculinos. Com autorização da Justiça, O GLOBO esteve no Presídio Feminino em Brasília e conversou com as quatro mulheres com transtornos em cumprimento de medida de segurança.

    Elas estão habituadas ao cárcere, mesmo absolvidas pela Justiça. Reincidentes no crime, voltam ao Presídio Feminino, onde o consumo de crack é regra. Não faltam medicamentos às detentas, forma de controle e de manter o convívio com as presas nas outras celas. Quando conversaram, estavam medicadas. As quatro são mães, perderam o contato com os filhos e estão distantes da família.

    O improviso é tão grande que o Presídio Feminino e a ala montada ao lado não têm os laudos psiquiátricos com os diagnósticos que determinaram a aplicação das medidas de segurança. Inicialmente, a direção se recusou a dar informações dos prontuários das detentas. Depois, admitiu que os laudos não foram encaminhados ao presídio. O “tratamento” médico é feito sem um diagnóstico oficial em mãos.

    — Eles me aplicam uma injeção porque eu surto. Queria matar uma mulher na cela — diz Ana Cristina, de 27 anos, presa em 2010 por suposto assalto à mão armada.

    Diagnosticado um transtorno mental e a influência da doença na prática do crime, a Justiça a considerou inimputável e ordenou a aplicação da medida de segurança. Na prática, Ana Cristina cumpre pena. Primeiro, foi para o regime fechado, onde consumia crack. Endividada e sob ameaças, foi transferida para uma ala onde estão presas provisórias. Divide uma cela com 11 mulheres.

    — É ruim ficar sem a droga. Queria voltar. Uso crack desde os 14 anos — diz a detenta.

    Ana Cristina afirma ter sido mãe de oito filhos. Cinco morreram, conta. Um foi deixado no hospital após o parto.

    — Saí do hospital para fumar merla. Lembrei do bebê dois meses depois.

    Na mesma ala, em cela diferente, está Lídia Dourado, de 24 anos, que diz ser portadora de esquizofrenia. São 11 mulheres no mesmo espaço. Ela é a única com transtorno mental. Acusada de homicídio, foi absolvida devido à doença. Não vê o filho há dois anos.

    Há poucas diferenças entre o Presídio Feminino e a ala de tratamento psiquiátrico. A diferença está no gênero: homens em medida de segurança ficam na ala e convivem entre si; mulheres dividem espaço com detentas comuns.

    Por Vinicius Sassine

    Fonte: O Globo - 17/02/2013

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