terça-feira, 20 de agosto de 2013

LUCIA CARVALHO É ALVO DE OUTRA INVESTIGAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL

Habitação

Grilagem sob a chancela da SPU


Vista de parcelamento na Granja Ipê, com o Park Way ao fundo: propriedades foram abertas em Área de Relevante Interesse Ecológico, contrariando resoluções do Ibram
Indiciada por fraudar demarcações de terras públicas em Vicente Pires para favorecer uma grande construtora, a ex-superintendente de Patrimônio da União no DF Lúcia Carvalho é alvo de outra investigação da Polícia Federal (PF) envolvendo grilagem na capital do país. Há três anos, a ex-deputada distrital autorizou o parcelamento de quase 12 mil hectares na Granja Ipê, zona rural da Vila Caub, no Riacho Fundo 2 (veja Onde fica). As propriedades, com vistas para os fundos do Park Way, seriam erguidas em uma Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie). Segundo apuração da PF, a região foi fracionada em 54 chácaras sob a chancela de Carvalho, contrariando várias resoluções do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), que considera as glebas em questão não edificantes. ...

Em 9 de abril de 2010, por meio da Portaria de nº 8, publicada no Diário Oficial da União, Lúcia Carvalho autorizou a Associação dos Produtores Rurais da Colônia Agrícola do Catetinho (AACATE) a dar início a um “projeto de recuperação ambiental e desenvolvimento sustentável”. A entidade deveria fazer o reflorestamento de algumas partes do cerrado. Segundo a apuração da PF, seria uma estratégia que tinha por objetivo fazer o parcelamento irregular do local. O presidente da AACATE, Abílio Rodrigues, não promoveu nenhuma ação em prol do meio ambiente. Embora não falasse sobre a sua relação pessoal com Lúcia Carvalho, Abílio foi convidado por ela, em 2009, para integrar o Grupo de Trabalho Estadual (GTE), criado pela então superintendente da SPU e que tinha a missão de apoiar a destinação de imóveis da União a habitações de interesse social.

No mesmo ano, ele teria recrutado interessados em comprar um dos 54 terrenos na Granja Ipê. Abílio oferecia seis hectares àqueles que desembolsassem entre R$ 6 mil e R$ 15 mil para ter direito a explorar as terras. Ainda exigia o pagamento de prestações mensais, que variavam entre R$ 200 e R$ 500. Ele garantia que as glebas seriam regularizadas e alegava que o dinheiro serveria para promover melhorias na região, além de manter a associação. Quando as primeiras suspeitas sobre a legalidade da ocupação vieram à tona, 51 das 54 pessoas o procuraram para tentar reaver o investimento.

Os três que permaneceram associados são Marita Mazzuti, filha da vice-presidente da AACATE, Vilma Mazzuti; Maria Auxiliadora, esposa de Abílio; e Ana Maria Cardoso de Moura, amiga de Abílio. Em agosto do ano passado, Lúcia Carvalho expediu documentos para a Administração Regional do Riacho Fundo 2 pedindo autorização para construções na Granja Ipê (veja fac-símile). A administradora Geralda Godinho negou os dois primeiros, mas assinou o terceiro, ingressado por Marita Mazutti. Ela queria erguer um imóvel de 256m².

Barraco

Desde então, as terras das três chácaras começaram a ser preparadas para receber imóveis. A mata nativa foi derrubada. No último dia 12 de julho, uma operação do Comitê de Combate ao Uso Irregular do Solo erradicou um barraco de madeira em fase de construção dentro da Arie. Duas pessoas que ocupavam o local se apresentavam como caseiros e disseram que estavam ali a mando de Ana Maria Cardoso.

O relatório de vistoria assinado por técnicos do Ibram, da Agência de Fiscalização (Agefis) e pela Secretaria de Ordem Pública e Social (Seops) é incisivo: “A Arie Granja do Ipê está sob constante monitoramento pela fiscalização ambiental. A área é especialmente protegida por possuir fitofisionomias típicas do cerrado, um sítio arqueológico e outros atributos de grande relevância ambiental”, diz um dos trechos do documento.

Primeiro documento autoriza obras no local, enquanto no segundo o Ibram aponta problemas do local

  
Com chefe novo

A Superintendência de Patrimônio da União (SPU) no Distrito Federal está sob nova gestão. Após a demissão de Lúcia Carvalho, indiciada pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento em fraudes, o Ministério do Planejamento anunciou a posse do engenheiro Sérgio Antônio Gonçalves. Ele era assessor da secretária Nacional de Patrimônio da União, Cassandra Nunes, e é visto como nome de confiança da chefe da SPU. Sérgio já ocupou cargos de direção nos ministérios do Meio Ambiente e das Cidades, sempre atuando na área ambiental.

Carvalho: "Não houve doação"

O Correio esteve na chácara que seria de Marita Mazzute. Na área onde deveria existir apenas mata nativa, há uma grande horta. A plantação conta com bananeiras e pés de alface, pimentão, tomate e milho. No momento em que a reportagem visitava o local, ninguém se apresentou como responsável. Na propriedade supostamente de Ana Maria Cardoso, a visão é privilegiada: do lugar é possível avistar as mansões do Park Way. O mato baixo denunciava que alguém esteve no local recentemente e usou máquinas para derrubar a vegetação.

A ex-superintendente da SPU Lúcia Carvalho negou todas as denúncias de suposta grilagem de terras na Granja Ipê, no Riacho Fundo 2. Segundo ela, em 2009, as áreas citadas foram doadas à União pela Terracap. “A SPU, quando recebe uma área, tem que notificar todos os moradores para que eles apresentem a documentação que comprovem a ocupação. Essa comprovação é da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal) e ninguém foi registrado sem esse documento. Não houve doação para ninguém”, afirmou.

Sobre a autorização para construção em área protegida, Carvalho disse que não tinha poderes para conceder a um ocupante o direito de iniciar obras no local. “O que eu fazia era, com base nos documentos balizados pela Emater, encaminhar para a Administração Regional um documento sobre as impressões da SPU, mas quem dava a autorização era a Administração”, explicou.

Em relação aos poderes dados pela SPU à Associação dos Produtores Rurais da Colônia Agrícola do Catetinho (AACAT), ela argumentou que se tratava de uma autorização para construção de um viveiro de mudas, a fim de recuperar áreas degradadas, mas a entidade não chegou a concluir o processo de implantação do projeto. A reportagem não conseguiu falar com a administradora do Riacho Fundo 2, Geralda Godinho, e também não obteve os telefones de Abílio e das três mulheres citadas na denúncia.

Por Saulo Araújo
Fonte: Correio Braziliense - 20/08/2013

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