terça-feira, 27 de agosto de 2013

Meninas superperigosas

A participação de uma adolescente de 17 anos na morte de um morador de rua no Guará mostra que os delitos graves não estão limitados ao sexo masculino. Nos últimos dois meses, 68 garotas deram entrada em centro de internação

O desfecho de um dos crimes mais covardes e cruéis cometidos nos últimos anos na capital do país envolve uma garota de 17 anos. A filha de um policial federal aposentado do Guará confessou ter jogado gasolina nos moradores de rua que dormiam na praça da QE 18. Edvan Lima dos Santos, 49 anos, acabou consumido pelas chamas e não resistiu aos ferimentos provocados pelas queimaduras. O caso aconteceu no início do mês. A garota foi apreendida pela polícia, ao lado dos dois comparsas, de 15 e 18 anos (leia Entenda o caso). Ela se encontra na Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire).

Assim como a adolescente, outras 67 meninas ingressaram no Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) do DF nos últimos dois meses. Do total, 26 permanecem internadas, sendo 15 sentenciadas. A quantidade representa 3,5% do total de jovens que cumprem medidas socioeducativas na capital federal. Além da garota suspeita de queimar vivo Edvan, quatro meninas respondem pelo ato infracional de homicídio. Apesar da gravidade do crime, ficarão internadas por, no máximo, três anos, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (veja O que diz a lei).

A maioria das jovens internadas na Unire tem entre 15 e 17 anos. Vivem, principalmente, em Ceilândia, em Samambaia e em Planaltina, segundo a Secretaria da Criança. De junho até hoje, 68 meninas deram entrada na unidade, mas 27 foram liberadas. Dezessete cumprirão medida em regime meio aberto. Quinze tiveram a sentença definida pela Justiça. Dessas, cinco praticaram roubos e seis, homicídios e tentativas de homicídio — 40% do total de atos infracionais. Onze estão apreendidas provisoriamente aguardando uma definição, que pode demorar até 45 dias para ser estabelecida (leia quadro). ...

Perplexidade
Detida no último dia 8 por suspeita de participação na morte de Edvan, a garota de 17 anos admitiu à polícia o envolvimento no crime no Guará. Jovem, bonita e de classe média, a filha de um agente da Polícia Federal alegou que queria se vingar e dar um susto nos moradores de rua — segundo ela, eles teriam tentado assaltá-la. Apesar disso, ela não registrou nenhuma ocorrência sobre o suposto roubo. A ação dela causou perplexidade na vizinhança onde ela mora. Quem a conhece diz que se trata de uma menina educada e bem-criada. A ação causou revolta, inclusive, nas outras internas da Unire, segundo apurou o Correio.

A inserção de meninas em crimes graves ainda causa espanto. Especialista em segurança pública, Nelson Gonçalves acredita que a sensação de impunidade influencia os adolescentes. “Essa percepção, e saber que, mesmo apreendidos, não ficarão muito tempo, faz com que estejam mais propensos à prática de delitos”, afirma. Professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), Gonçalves ressalta que, apesar da quantidade de meninas infratoras ser bem menor do que a dos meninos, os dois têm acesso às mesmas possibilidades. “Elas frequentam grupos que vão aos mesmos locais que os garotos. Usam droga, bebem e começam a achar natural crimes graves como o praticado contra o morador de rua”, explica. “A nossa sociedade está acostumada a criá-las para serem gentis, carinhosas. E quando elas agem violentamente, todos se surpreendem.”

Unidade
Até o ano passado, essas garotas ficavam no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), na Asa Norte. Em agosto de 2012, foram transferidas para a Unire, onde também há meninos. Na unidade, as infratoras cumprem as medidas socioeducativas estabelecidas pela Justiça e participam de oficinas de artesanato, panificação, mosaico, entre outras. A secretária da Criança, Rejane Pitanga, garante que a média de internação delas fica sempre em 4% do total de abrigados. “A maioria sempre está lá por tráfico. E, em grande parte dos casos, há envolvimento amoroso no meio dos atos infracionais praticados por elas”, detalha. A secretária garante que, até junho de 2014, as meninas terão uma unidade exclusiva no Gama.

Entenda o caso

Vítimas da crueldade

Na madrugada de 1º de agosto, Edvan Lima dos Santos, 49 anos, e três moradores de rua dormiam atrás de um quiosque de madeira, na praça da QE 18, no Guará. Três pessoas passaram pelos mendigos, arremessaram gasolina e incendiaram as vítimas. Edvan foi encaminhado para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran) com 63% do corpo queimado. Teve paradas cardiorrespiratórias e morreu dois dias depois. Menos de uma semana após crime, investigadores da 4ª Delegacia de Polícia (Guará) e da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) apreenderam um adolescente de 15 anos na região. No dia seguinte, localizaram a adolescente de 17 anos. O caso foi concluído na última terça-feira com a prisão de Wesley Lima da Silva, 18 anos. Os três confessaram o crime, segundo a polícia.

O que diz a lei
A Lei nº 8.069 criou, em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O documento detalha os direitos e os deveres das crianças e dos adolescentes, dos pais, dos gestores públicos, dos profissionais da saúde e dos conselhos tutelares. O estatuto considera crianças todas aquelas com 12 anos incompletos. De 12 a 18 anos, são adolescentes. O texto assegura todas as oportunidades e as facilidades a fim de que sejam possibilitados os desenvolvimentos físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e de dignidade. A lei determina ainda que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Em casos de delitos praticados pelos jovens, o ECA determina que “em nenhuma hipótese, o período máximo de internação excederá três anos.”

Comportamento de risco

Adolescentes sentenciadas pela Justiça
Atos infracionais
Roubo     5
Tentativa de homicídio     3
Homicídio      3
Tentativa de latrocínio      1
Latrocínio      1
Tentativa de roubo      1
Tráfico de drogas      1
Total     15

Aguardando a sentença da Justiça
Tráfico de drogas      5
Roubo     4
Homicídio      1
Latrocínio      1
Total      11

Fonte: Secretaria da Criança do DF
Fonte: Correio Braziliense - 26/08/2013

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