sexta-feira, 21 de março de 2014

Operação Perímetro: MPF acusa sete por fraude em terras

Esquema desbaratado na Operação Perímetro causou rombo de R$ 2 bi aos cofres públicos. Denúncia criminal e ação de improbidade foram ajuizadas esta semana pelo Ministério Público Federal


O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça a condenação cível e criminal de sete pessoas envolvidas na demarcação ilegal de terras da União localizadas no Distrito Federal. O esquema foi desbaratado em dezembro de 2012, durante ação conjunta da Polícia Federal e do MPF conhecida como Operação Perímetro. O dano aos cofres estatais alcança quase R$ 2 bilhões.

Entre os denunciados estão a ex-superintendente regional da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) Lúcia Helena Chagas e o ex-presidente da Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) José Humberto Matias de Paula. A fraude incluiu ainda servidores públicos e um posseiro. Eles são acusados de participar, direta ou indiretamente, da emissão de um relatório de demarcação fraudulento forjado para beneficiar interesses privados.

As investigações apontaram a prática de cinco crimes: falsa perícia, corrupção ativa de perito, falsidade ideológica, advocacia administrativa e associação criminosa. Os envolvidos também são acusados de improbidade administrativa e podem ser condenados, além da prisão e pagamento de multa, à devolução do prejuízo causado e à perda dos direitos políticos, entre outras sanções cíveis.

As ações são assinadas pelos procuradores da República Marina Vasconcelos, Igor Nery, Paulo José Rocha e Anna Paula Coutinho. ...

Entenda o caso

De acordo com as apurações, a ação criminosa teve início em 2008, quando a SPU, sob o comando de Lúcia Helena, instituiu uma comissão de demarcação para definir espaço desapropriado em 1955 com o objetivo de construir a capital Brasília. A área delimitada fica na fazenda Brejo ou Torto, em Vicente Pires, região com grande potencial econômico e atraente para empreendimentos imobiliários, razão pela qual seria repassada a uma construtora.

O grupo foi composto por João Macedo Prado, presidente, Avelino Caixeta Nascentes e Robson Geraldo Guiscem. Ao medir o imóvel, a comissão utilizou referências divergentes das praticadas décadas atrás e concluiu que a área seria de 2.152 hectares, e não 1.807 hectares já aferidos. Diante dos fatos, recomendou que o excedente encontrado – cerca de 344 hectares – fosse devolvido aos herdeiros de Eduardo D’utra Vaz, um dos antigos donos da gleba.

Provas e depoimentos colhidos na Operação Perímetro, entretanto, apontaram diversas irregularidades na perícia técnica realizada pela SPU. “De acordo com a Polícia Federal, ao invés de selecionar o marco ‘G’ como coordenada para a demarcação do terreno, a equipe indevidamente escolheu o marco ‘F’, encontrando uma sobra que sugeriu pertencer a particulares”, esclarece laudo do Instituto Nacional de Criminalística (INC).

Essa avaliação, lembra o MPF, foi apresentada à 14ª Vara Federal de São Paulo que, levada a erro, determinou a alteração da matrícula da terra, desmembrando-a em duas, após incessante apelo de Lúcia Helena de Carvalho. Antes da manifestação da Justiça, o tabelião Carlos Eduardo Ferraz de Matos Barroso expediu várias Notas de Devolução em que negou o registro da área.

De acordo com o INC, os indícios de fraude são reforçados porque nenhum dos membros da comissão era credenciado junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), condição indispensável para produzir memoriais descritivos, como determina a Lei de Registros Públicos.

Ainda em depoimento à Polícia Federal, alguns integrantes da comissão declararam ter apenas assinado o relatório final, transformando a demarcação em nítida peça de ficção, como define o MPF.

A comissão contou, ainda, com a participação de um profissional estranho à administração pública. “Cláudio Thomé, que nunca trabalhou na SPU, fazia os mapas e colocava o nome de dois ou três servidores da secretaria e o timbre da União”, detalha o Ministério Público.

Outro denunciado pelo MPF é Roldiney Roy Rodrigues, proprietário de um trecho da fazenda Brejo ou Torto e à época presidente da Cooperativa Habitacional Cooperville. Ele pagou cerca de R$ 35 mil a Cláudio Thomé pelo georreferenciamento do imóvel e confecção indevida dos documentos.

Falsidade e outros crimes

José Humberto Matias de Paula também concorreu para a prática dos delitos ao autorizar a doação ilegal de uma área da Terracap à União. O pedido de transferência partiu de Lúcia Helena, sob o pretexto de ser implementada a Floresta Nacional de Brasília. Antes disso, porém, ela havia afirmado ao Juízo Federal de São Paulo que a União não tinha interesse no remanescente de terra.

“Faixas de terras de propriedade da Terracap e da empresa Valência Participações Ltda. foram mensuradas como da União, assim gerando o pseudo-remanescente que posteriormente foi sugerido (e defendido pela própria SPU/DF) ser de titularidade do espólio de Eduardo D’utra Vaz, o qual já recebeu dezenas de milhões de reais da Brookfield Incorporações S.A. por parceria imobiliária no local”, acentuam os procuradores.

O MPF considerou que todos os denunciados participaram de associação criminosa. João Prado, Avelino Nascentes, Robson Guiscem e Cláudio Thomé são acusados de falsa perícia por afirmarem que o perímetro do terreno tinha 2.152 hectares, metragem não comprovada em laudos técnicos oficiais. Lúcia Helena também colaborou com a fraude, já que era responsável pela supervisão e aprovação do relatório.

O crime de corrupção ativa de perito é atribuído a Roldiney Rodrigues pelo pagamento de R$ 35 mil ao arquiteto e técnico em agrimensura Cláudio Thomé. A mãe de Roldiney, Luzia Rodrigues de Souza, tinha, inclusive, firmado contrato com a empresa Brookfield Incorporações S.A., e recebido quase R$ 7 milhões por futuros empreendimentos na região.

Contra Lúcia Helena e José Humberto de Paula, o MPF pede a condenação por falsidade ideológica pelas declarações inverídicas com o fim de ocultar a sobreposição de terrenos. Lúcia Helena ainda responde pelo crime de advocacia administrativa qualificada, assim como João Prado, já que defendiam interesse privado ilegítimo perante a Administração Pública, valendo-se de seus cargos públicos.

Entre as infrações que sustentam a ação por improbidade, o MPF/DF aponta que os membros da comissão, ao permitirem a incorporação de bens da União e do Distrito Federal por particulares, contribuíram para danos aos cofres públicos, enriquecimento ilícito de terceiros e violação de princípios da Administração Pública, como honestidade, imparcialidade e finalidade pública do ato.

Para conter os efeitos da demarcação fraudulenta, o desembargador José Lunardelli, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, determinou, em tutela antecipada, a suspensão das matrículas 154.305 e 327.485, geradas pela decisão da 14ª Vara Federal de São Paulo. A medida já foi cumprida pelo Cartório do 3º Registro de Imóveis no Distrito Federal.

A SPU/DF também adotou procedimentos internos para coibir a permanência das irregularidades. Constituiu nova Comissão Demarcatória, com outros servidores, e exonerou em julho passado Lúcia Helena e João Prado dos cargos que ocupavam na secretaria.

Fonte: Blog do Callado

Nenhum comentário:

Postar um comentário