terça-feira, 18 de março de 2014

Urbanismo: Sociedade mobilizada contra proposta do PPCub

Entidades e lideranças comunitárias vão se mobilizar esta semana contra o projeto, que define as regras para uso do solo na área tombada. A criação de novas quadras no Setor Sudoeste e na Asa Norte são alguns dos temas mais polêmicos



Na tentativa de reverter a aprovação do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub), entidades da sociedade civil planejam uma grande mobilização contra a proposta. Hoje, representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF) e da Universidade de Brasília (UnB) vão entregar ao Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan) os votos contrários ao texto. Líderes comunitários também questionam a rapidez com que a proposta foi aprovada. Alegam que faltou diálogo com a sociedade.

O presidente do IAB-DF, Thiago de Andrade, explica que o instituto e a UnB querem deixar registrada a posição sobre a aprovação do plano, na última sexta-feira. “Vamos marcar a nossa indignação. Temos o direito de apresentar o voto por escrito e é isso que vamos fazer. A Sedhab (Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação) abriu mão do seu papel, que seria de apresentar um projeto finalizado, e delegou aos conselheiros uma função que seria de responsabilidade técnica. O texto não foi apresentado de forma concisa”, reclama. ...

Na próxima quarta-feira, as planilhas serão votadas e, depois disso, o texto pode seguir para apreciação dos deputados distritais. Integrante do Movimento dos Urbanistas Por Brasília, Cristiano Nascimento diz que a maior preocupação é que o plano seja aprovado pela Casa da forma como está. “Não está tudo concluído, principalmente as planilhas, que detalham todas as regras para uso do solo na área tombada. Colocar para votação no Conplan foi uma falta de respeito e de conhecimento, uma forma de cancelar todo o trabalho que foi feito por muito tempo. Desde janeiro, há uma pressão para que o plano seja aprovado. Entendemos que isso foi uma forma de encerrar”, diz. 

Para ele, a aprovação do texto no Conplan em tão pouco tempo gera insegurança. “Está tudo muito atravessado. É um documento muito sério para ser aprovado na correria. As brechas continuam, e o plano está com questões que o governo havia se comprometido a retirar. Um equívoco nas planilhas pode resultar em inúmeros danos para a cidade”, alerta o arquiteto.

A vice-presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul, Heliete Bastos, também critica o processo de aprovação do texto. No começo do mês, ela participou de uma reunião para debater o plano. Entre os presentes, estavam representantes da Sedhab e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e, segundo ela, em nenhum momento foi dito que o texto seria aprovado duas semanas depois. “Foi um absurdo, um golpe”, desabafa a vice-presidente. 

Presidente do Conselho Comunitário da Asa Norte, Maria das Graças Borges Moreira afirma que a comunidade foi pega de surpresa com a aprovação, ainda mais com a autorização para a criação da 901 Norte. “Acompanhamos todo o processo, e a promessa era que a 901 seria retirada do plano. Quando vimos, o texto já havia sido aprovado com a criação da quadra. Fomos pegos de surpresa”, reclama. Maria das Graças acredita que a implantação de uma nova área na Asa Norte vai gerar inúmeros impactos. “Vão tirar o verde, o trânsito vai congestionar. Não pode ser assim. Vamos continuar na luta, pois só a comunidade unida pode reverter isso”, complementa. 

A Associação do Parque Ecológico das Sucupiras (Apes) também acompanha a elaboração do plano. O presidente da entidade, Fernando Lopes, também se diz surpreso com a aprovação no Conplan e critica a composição do conselho. “Enquanto parte dos representantes do Conplan for indicada pelo governo, as decisões serão previsíveis. O GDF está desesperado para aprovar esse plano”, critica. “Quem sabe, daqui a 100 anos, essas mudanças sejam necessárias. No momento, não é preciso. Não temos condições de sustentar as mudanças”, justifica. 

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon), Júlio César Peres, garante que não houve qualquer pressão do mercado imobiliário para a aprovação do texto. “Primeiro, não acho que houve rapidez. Isso vem sendo discutido há muito tempo e os pontos que eram divergentes estão voltando. Nós estamos participando das votações”, diz. “Com relação à 901 Norte, somos favoráveis que seja mantida da mesma forma como é na Asa Sul, direcionada para hotéis. O setor defende alguns pontos para o bem do consumidor que compra os imóveis”, acrescenta.

Povo fala

O que você acha da construção de novas quadras no Setor Sudoeste, como previsto no projeto do PPCub?

Maria de Lourdes Negri, 

67 anos, aposentada

Nós, moradores do Sudoeste, estamos enfrentando problemas demais por causa da quantidade de carros, como a falta de vagas e os congestionamentos. Até o trânsito do Eixo Monumental está comprometido pela quantidade de carros aqui. Essa nova quadra vai piorar muito tudo isso

Rafael Horta, 

33 anos, administrador

Sou totalmente contra a construção dessa quadra. O impacto na vida do morador do Sudoeste vai ser enorme. Em horário de pico, as ruas já ficam cheias e o escoamento é difícil, principalmente nos balões. Não existe justificativa decente para fazer novos prédios.

Jorge Monteiro, 

36 anos, administrador

Eu e a minha família estamos aqui só há dois anos. Viemos do Rio para fugir do trânsito caótico de lá e descobrimos que aqui não é tão melhor assim. Acho que ninguém é a favor dessa nova quadra. Com ela,o trânsito vai ficar ainda pior do que está hoje.

Gilka Guimarães, 

50 anos, administradora

Só ouvi comentários a respeito. É difícil dar um posicionamento porque não conheço o projeto. Se além da quadra, a ideia for trazer outras reformas na infraestrutura, acho ótimo. Mas se for só trazer mais gente, temos que pensar que é mais carro também.

Vagas cobertas

A elaboração do PPCub gera controvérsias e polêmicas desde o ano passado. Vários pontos são questionados, especialmente as novas quadras criadas no Sudoeste e na Asa Norte e um estacionamento subterrâneo na Esplanada dos Ministérios. O secretário de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab), Geraldo Magela, garante que o plano não estabelece que esses empreendimentos serão, de fato, criados. O secretário explicou que o documento só será encaminhado à Câmara Legislativa após o encontro de quarta-feira. “O PPCub tem três documentos, o texto da lei, as planilhas com os parâmetros e os mapas. Concluímos a aprovação do texto. Agora, serão as planilhas e os mapas. São 247 arquivos, com 1,5 mil itens. Vamos mandar para a Câmara depois de quarta-feira e aí vai depender deles”, explicou Magela. 

Quem trabalha na Esplanada e tem que lutar pelas poucas vagas existentes sabe a gravidade do problema. Como o espaço não é suficiente para tantos carros, alguns motoristas fazem como Celma Irene Castanheiro, servidora do Ministério da Ciência e Tecnologia. “Pago 50 reais por mês, e o flanelinha fica com a minha chave”, conta. Mesmo assim, a alternativa é problemática. “Como é muito apertado, os carros por ali são todos arranhados, as portas, o para-choque, tudo.” 

Diariamente, ela chega às 9h e já é tarde demais para conseguir uma vaga, mesmo que irregular. Ainda assim, Celma é contra a proposta.“Acho muito perigoso uma reforma dessa. Não sei se a cidade tem estrutura para isso.” Para ela, a resposta ao problema é mais simples: mais ônibus. “Entrei no serviço público em 1985 e havia um ônibus que levava os servidores aos prédios”, lembra.

Acioli de Olivo também é servidor do Ministério da Ciência e Tecnologia e procura variar os meios de transporte. “Às vezes, dirijo, outros dias prefiro pegar táxi ou ônibus.” Acioli vê que muita gente sofre procurando por lugares para estacionar. Por isso, acredita que o estacionamento subterrâneo só tem pontos positivos para a qualidade vida de quem trabalha por ali. “Para quem mora no Plano Piloto, pegar ônibus não é tão ruim, mas para quem mora fora, o sistema não funciona. O governo estimula que muitas pessoas tenham carro, mas não dá estrutura.” Acioli vê a alternativa do estacionamento subterrâneo com olhos ainda mais criativos. Para ele, seria uma forma de criar espaços de convivência destinados aos trabalhadores e à população.


Fonte: KELLY ALMEIDA e RENATA RUSKY - Correio Braziliense

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