quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Saúde: Médicos defendem banimento do hidrogel

Com a morte de uma mulher em Goiânia e diante da internação de Andressa Urach, entidades querem que o produto seja retirado do mercado até que análises comprovem a segurança dele. Mulheres têm utilizado a substância para aumentar partes do corpo


Em 2009, a modelo aplicou o hidrogel nas coxas para deixá-las mais torneadas. Neste ano, ela fez pelo menos dois procedimentos cirúrgicos para a retirada da substância.

O caso da modelo Andressa Urach, internada em estado grave por complicações relacionadas à aplicação de hidrogel para aumentar as coxas, colocou mais uma vez a substância — e a forma como ela é usada — em xeque. O mesmo produto foi utilizado por Maria José, que morreu em Goiânia, em outubro. O hidrogel, com o nome comercial de Aqualift, já teve registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Hoje a venda está proibida porque a autorização para a comercialização expirou em março. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) defende que o produto seja banido até que as análises comprovem a segurança dele. Médicos fazem coro com a entidade, enfatizando que o hidrogel tem sido aplicado para um fim inadequado...

Além da suspensão da venda, a SBCP quer que o Conselho Federal de Medicina (CFM) faça uma análise sobre o produto e que, até lá, a Anvisa mantenha suspensa a comercialização. O conselho não comentou o pedido, apenas ressaltou que a substância só deve ser manipulada por médicos. A empresa que distribui o Aqualift (de poliamida) já pediu a renovação do registro na Anvisa, ainda pendente por questões burocráticas.

Segundo as instruções de uso do produto informadas pela Anvisa, o Aqualift é indicado para preenchimento de volume de partes do corpo, como pernas, bumbum e rosto, por exemplo. Só que a aplicação não pode superar 50ml por região. Segundo o portal de notícias Ego, Andressa Urach relatou ter aplicado, em 2009, 500ml da substância em cada coxa para aumentá-las — 10 vezes mais que o limite. Internada desde sábado com o quadro de sepse, a apresentadora passou por cirurgia ontem para tratar de uma infecção nas pernas. Até o fechamento desta edição, o estado de saúde dela era grave, porém estável.

Andressa começou a se queixar de dores nas pernas e procurou um cirurgião plástico, que constatou uma inflamação por causa do hidrogel, aplicado cinco anos antes. Nas redes sociais, ela disse que fez pelo menos duas intervenções para retirar o produto das coxas. Até que, no sábado passado, sentindo-se muito mal, foi levada ao pronto-socorro do Hospital Conceição, em Porto Alegre, onde está na UTI. “Permanece sedada e respirando com auxílio de aparelhos”, diz a última nota da unidade de saúde. Ontem, a mãe da modelo pediu que os fãs orem por ela.

Secretário-geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Luciano Chaves afirma que a substância não é recomendada para o aumento de glúteos e coxas, apenas para pequenas depressões. Para essas áreas, deve ser feito o implante de silicone ou um enxerto de gordura do próprio corpo. “É um produto químico sintético que gera processos inflamatórios. Outro problema é que a substância, às vezes, migra de posição e, se entrar numa região vascularizada, pode gerar uma trombose ou embolia”, diz. “A nossa posição é que não se renove o registro até que mais pesquisas sejam feitas. Esses casos acenderam um alerta.”

“Maluquice”

Para a cirurgiã plástica Alessandra Haddad, chefe do Setor de Cosmiatria e Laser da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os casos recentes de complicações por uso de hidrogel são uma combinação da “maluquice de pacientes” e da “falta de ética de quem aplica”. “A busca pela beleza imediata tem levado as pessoas a usarem grandes quantidades, o que não é indicado, e os profissionais sabem disso”, afirma. “Além disso, o procedimento tem que ser feito por um médico. É quase uma cirurgia. Se você está em um ambiente inadequado, pode levar uma bactéria para o corpo do paciente.”

Segundo a presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Denise Steiner, os profissionais da área não costumam usar o hidrogel de poliamida, apesar de ele ser um tipo de preenchedor, devido à ocorrência de problemas, como a formação de bactérias ao redor do produto. “Às vezes, anos depois, por causa de um trauma, um remédio mais forte tomado, aquelas bactérias começam a crescer ativamente gerando um processo de infecção, não curado com antibióticos comuns.”

Provavelmente, as pessoas recorrem ao hidrogel, na avaliação de Alessandra, pela facilidade de aplicação — basta uma seringa e anestesia local. “O paciente não quer ter de se submeter a uma internação, a um pós-operatório. Chego a pensar que, às vezes, o profissional diz que usou hidrogel, mas usou uma substância semelhante manipulada em farmácia ou, pior, silicone líquido”, afirmou a médica, acrescentando que abomina a substância pelo alto índice de rejeição.

Tira-dúvidas

O que é hidrogel?

» De forma genérica, é qualquer substância apresentada em forma de gel aquoso. Sob essa denominação, há mais de 100 produtos registrados na Anvisa, alguns dos quais são tipos de curativos. Mas o hidrogel presente nos casos recentes de aumento de bumbum ou de pernas, é uma substância feita de poliamida e água. A marca mais referida pelos médicos é o Aqualift — mesmo usado por Maria José Medrado, que morreu, depois da aplicação, em Goiânia.

Para que serve?

» O hidrogel é indicado para preencher superfícies, como rugas, cicatrizes, celulites profundas ou deformações no corpo. No entanto, o uso deve respeitar o limite de 50mg por região. O procedimento de aplicação só deve ser feito por médicos e em local adequado.

Em quais casos o hidrogel é contraindicado?

» Até pelo limite permitido por aplicação, o hidrogel não deve ser usado para aumentar o volume de partes extensas do corpo, como bumbum ou pernas. Nesses casos, o mais indicado é o enxerto de gordura da própria pessoa ou a colocação de próteses de silicone.

Quais os riscos da utilização?

» Além do perigo de infecção, caso os instrumentos usados e o local sejam inadequados, há riscos de compressão de veias, se a quantidade for maior que o limite estipulado. Também pode ocorrer perfuração de vasos durante a aplicação. Sem falar em rejeição do corpo, uma vez que a substância é menos amigável que outras utilizadas no ramo da estética, como o ácido hialurônico, por exemplo.

PERSONAGEM DA NOTÍCIA

Colecionadora de polêmicas

Do título pelo qual ficou conhecida à participação recente em um reality show, Andressa Urach sempre esteve associada a situações polêmicas. A ex-vice Miss Bumbum chegou a ser expulsa de um treino de futebol de Portugal, durante a Copa do Mundo no Brasil, por ordem de Cristiano Ronaldo, com quem ela jura ter tido um affair no passado.

Primeiro, Andressa foi para a porta do hotel do craque, onde a seleção portuguesa estava concentrada, sem blusa. Usando apenas uma pintura com as cores da camisa do time dele no corpo e segurando um cartaz onde se lia “#Beijo Cavalinho”, ela se deixou fotografar e deu entrevistas.

Uma semana depois, ela foi para um treino de Portugal, para fazer uma matéria para um programa da Rede TV!, do qual era apresentadora, mas acabou expulsa do local. Reclamou nas redes sociais por ter sido a única integrante da imprensa retirada da área: “Rsrs só rindo mesmo, cadê a liberdade de expressão!”

Na sexta edição do programa A Fazenda, há cerca de três meses, Andressa ganhou outro título. Foi considerada a participante mais barraqueira do programa. Colecionou brigas, principalmente com Denise Rocha, que ficou conhecida como Furacão da CPI depois que um vídeo de sexo dela foi exibido na internet. Em um dos entreveros, a ex-vice Miss Bumbum chegou a cuspir, duas vezes, na cara do desafeto.

MEMÓRIA

Falsa biomédica indiciada 

A morte de Maria José Medrado de Souza Brandão (foto), 39 anos, em outubro, em Goiânia, levantou a controvérsia em torno do uso de hidrogel. Em áudios recuperados pela polícia, Maria José fala para Raquel Policena Rosa, que se apresentava como biomédica, sobre o mal-estar. Em resposta, a falsa profissional que havia feito o procedimento em Maria José minimizava as queixas da mulher: “Come uma coisinha salgada”.

Um dia depois de aplicar a substância para aumentar o bumbum, Maria José foi internada e, na madrugada seguinte, morreu. A investigação descobriu que a falsa biomédica fazia frequentemente o procedimento com hidrogel, o que expandiu o número de casos. A Polícia Civil aguarda exames do Instituto Médico Legal (IML) para finalizar inquéritos sobre seis mulheres que alegam ter ficado com sequelas depois das aplicações.

A falsa biomédica, entretanto, foi indiciada por quatro crimes, no caso de Maria José: homicídio doloso com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), lesão corporal, exercício ilegal da profissão e distribuição de produtos farmacêuticos sem procedência. Ela chegou a ficar 10 dias detida, mas teve a prisão relaxada no último dia 24. O namorado de Raquel, Fábio Justiniano Ribeiro, também foi acusado dos mesmos delitos.


Fonte: Correio Braziliense - Por Julia Chaib e Renata Mariz - Foto: Arquivo Pessoal -

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