A tão aguardada regularização fundiária finalmente chegou a Vicente Pires. Mas o que deveria ser um marco de justiça social está se transformando em motivo de indignação para os moradores, principalmente devido ao valor cobrado pelos terrenos e à forma como o processo vem sendo conduzido pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e pela Terracap.
Embora a Lei Federal nº 13.465/2017 — que rege a Reurb (Regularização Fundiária Urbana) — preveja meios claros e justos para que moradores adquiram a titularidade de terrenos públicos, o que se vê na prática é um desrespeito à própria legislação.
📜 O que diz a lei?
Segundo o artigo 16 da Lei nº 13.465/2017, nos casos de Reurb-E sobre áreas públicas, o morador só pode ser cobrado pelo valor da terra nua, ou seja, sem considerar construções, benfeitorias ou valorização posterior feita pelos próprios ocupantes.
Além disso, se a área pública estiver sendo disputada na Justiça, como ocorre na chamada Terceira Gleba da Fazenda Brejo ou Torto, o processo de regularização só pode avançar se houver um acordo judicial ou extrajudicial entre as partes, homologado por um juiz. No entanto, mesmo diante de dezenas de ações judiciais que questionam a legalidade das matrículas e denunciam vícios insanáveis — como duplicidade de registros, documentos falsos e fraudes em cadeia dominial — o GDF segue com o processo como se nada estivesse acontecendo.
⚠️ Valorização artificial e cobrança indevida
Outro ponto crítico é o valor atribuído aos imóveis. A Terracap vem adotando avaliações com base no valor de mercado atual, sem levar em conta que:
As ocupações ocorreram há décadas;
O Estado não impediu nem regularizou essas ocupações ao longo do tempo;
Os próprios moradores construíram as casas, asfalto, redes de esgoto, iluminação e muito mais;
O governo cobrou impostos de quem ele próprio rotula agora como “irregular”.
Ou seja: o morador paga o preço de um imóvel pronto, com urbanização feita por ele mesmo, mas sem receber nenhum tipo de crédito por isso. A lei é clara: não pode haver cobrança pelas benfeitorias feitas pelos ocupantes, e a avaliação deve considerar o valor da terra na época da ocupação, corrigido monetariamente.
🧾 Legalidade e Justiça Social
A postura do GDF e da Terracap viola não só a letra da lei, mas também os princípios da função social da propriedade, da razoabilidade e da justiça social. Não é justo — nem legal — cobrar de famílias trabalhadoras um valor inflacionado por melhorias que o próprio governo não forneceu.
O que deveria ser um instrumento de inclusão e dignidade está se convertendo em mais uma forma de exclusão e favorecimento aos grandes interessados do mercado imobiliário.
✊ Moradores não estão sozinhos
Organizações comunitárias, lideranças locais e representantes da sociedade civil vêm se mobilizando para denunciar esses abusos e garantir que a regularização aconteça, sim — mas com justiça, legalidade e respeito à história de luta de quem transformou Vicente Pires em um bairro vivo, urbano e pulsante, sem apoio estatal.
A regularização chegou. Mas a pergunta que fica é: a que custo?
Gilberto Camargos
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