A seca e a invenção do Terceiro Mundo
O Nordeste brasileiro enfrenta a maior seca em meio século. São mais de 1.400 municípios atingidos. Que a região sofre com o problema há séculos, todo mundo sabe. O que poucos sabem é que suas consequências nem sempre foram tão terríveis.
O livro "Holocaustos Coloniais: Clima, fome e imperialismo na formação do Terceiro Mundo", do historiador Mike Davis, é esclarecedor. Secas prolongadas aconteceram por séculos nos países da região equatoriana devido ao fenômeno climático conhecido por “El Niño”.
As mortes sempre foram muitas, mas, a partir do final do século 19, começaram acontecer aos milhões. As três piores secas ocorreram em 1876-79, 1889-91 e 1896-1902. Pelo menos, 30 milhões de pessoas morreram. Não por acaso, exatamente quando o imperialismo começava a se espalhar pelo mundo.
Davis cita o caso da Índia. Em dois mil anos, o país havia registrado 17 casos de mortandade por fome. Mas sob 120 anos de dominação inglesa, isso aconteceu 31 vezes. É que “o dogma do livre comércio e o frio cálculo egoísta do Império justificavam a exportação de enormes quantidades de cereais para a Inglaterra, bem no meio da mais horrível hecatombe”, diz Davis.
Para o historiador, o que depois seria chamado de “Terceiro Mundo” surgiu das “desigualdades de renda e de recursos” produzidas nesse período. Felizmente, houve reação. Davis cita a revolta chinesa dos Boxers, o movimento Tonghak na Coréia, o nacionalismo extremista na Índia, a guerra de Canudos no Brasil e muitos levantes na África.
No Brasil ou fora dele, o problema nunca foi a seca. É a dominação do “Primeiro Mundo”. Contra isso, só muita luta.
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