quarta-feira, 28 de maio de 2025

Regularização Fundiária em Vicente Pires ignora exigências legais e põe em risco direitos de moradores antigos

 


Vicente Pires, DF — A tão aguardada regularização fundiária finalmente chegou a parte da comunidade de Vicente Pires, mas não sem polêmicas. Apesar de aparentar ser uma conquista para os moradores, juristas e lideranças comunitárias denunciam que o processo em andamento contraria dispositivos legais e ignora garantias previstas na Lei Federal nº 13.465/2017.

Terrenos em disputa judicial estão sendo regularizados? Sim — mas exige acordo e homologação judicial

De acordo com o artigo 16 da referida lei, é possível sim realizar a regularização fundiária urbana (Reurb) em áreas públicas que estejam em litígio judicial sobre sua titularidade. A condição, no entanto, é clara: deve haver acordo judicial ou extrajudicial homologado por um juiz. Ou seja, não basta o governo avançar unilateralmente — é necessária uma solução consensual entre as partes envolvidas.

Na prática, isso não vem sendo respeitado em áreas como a terceira gleba da Fazenda Brejo ou Torto, onde existem dezenas de ações judiciais questionando a validade das matrículas imobiliárias por alegações de fraudes, duplicidade de registros, falsificação de documentos e outros vícios considerados insanáveis.

Ainda assim, o GDF (Governo do Distrito Federal) segue promovendo a regularização da área, sem que tenha havido solução judicial ou extrajudicial homologada, o que pode tornar o processo juridicamente nulo e potencialmente lesivo aos direitos de ocupantes e ao erário.

Avaliação dos imóveis desrespeita a lei e penaliza ocupantes

Outro ponto crucial ignorado, segundo especialistas, é a forma de precificação dos imóveis. A lei é explícita: quando se trata da Reurb-E (regularização em bem público), o valor a ser pago pelos ocupantes deve corresponder ao valor da terra nua — ou seja, sem considerar construções, benfeitorias ou valorização decorrente de melhorias feitas pelos próprios moradores.

Contudo, a avaliação adotada pelo governo tem se baseado no valor de mercado atual, o que encarece drasticamente o custo da regularização. Para o Presidente da Associação de Moradores de Vicente Pires e Região - AMOVIPE, Gilberto Camargos, que acompanha o tema, essa prática "fere os princípios da justiça social, da função social da propriedade e da razoabilidade, punindo os ocupantes que, durante décadas, deram vida à região".

A lei manda avaliar com base na época da ocupação

A lógica jurídica por trás do artigo 16 da Lei nº 13.465/2017 é simples: se o Estado permitiu ou foi omisso diante da ocupação durante anos — e arrecadou tributos desses moradores —, não pode cobrar agora como se o terreno estivesse em condições de mercado regular.

A avaliação, portanto, deve levar em conta o momento em que o morador se instalou no local, atualizando-se esse valor apenas pelos índices de valorização da terra como se ela continuasse nua, sem acensões. Ignorar isso representa, além de afronta à lei, um enorme entrave ao direito à moradia de milhares de famílias.

Moradores de baixa renda têm direito à posse gratuita — mas o governo não cumpre

Mais grave ainda é o descumprimento do Artigo 86 da mesma lei, que garante a transferência gratuita da propriedade para pessoas de baixa renda que ocupam imóveis da União até 22 de dezembro de 2016. Basta que:

  • A renda familiar seja de até cinco salários mínimos;

  • O ocupante não possua outro imóvel;

  • Esteja cadastrado como isento de pagamento na Secretaria de Patrimônio da União (SPU);

  • E tenha autorização de transferência (CAT) emitida pela SPU.

Esses cidadãos poderiam, por lei, ir diretamente ao cartório para regularizar o imóvel sem custo algum — mas na prática, muitos estão sendo expulsos por não conseguirem arcar com os altos valores cobrados pela regularização.

Regularização sim, mas dentro da lei

Especialistas destacam que a regularização fundiária é, sim, um passo importante para o desenvolvimento urbano e para a segurança jurídica dos moradores. No entanto, ela não pode violar direitos fundamentais, nem ser instrumento de exclusão ou injustiça social.

“Estamos vendo o Estado tratar essas áreas como irregulares durante décadas, para agora cobrar como se fossem loteamentos de luxo. É um contrassenso perigoso”, conclui Camargos.

Enquanto isso, moradores antigos — muitos com mais de 30 anos de residência — seguem à mercê de políticas públicas que ignoram a própria legislação que as ampara. E o sonho da casa própria com escritura segue, para muitos, mais distante do que nunca.

Gilberto Camargos

Um comentário:

  1. Já vi que para comprar sendo de baixa renda, o tamanho máximo do lote é 250 metros quadrados. Tem sentido?

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