quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Invasões desafiam fiscais. Área policiada é a que mais cresce

Almiro Marcos e Thais Paranhos


Novo bairro: à margem da DF-140, um terreno de 17 mil hectares teve a destinação alterada e se tornou a última malha urbana da capital, em meio a condomínios irregulares...

A Secretaria da Ordem Pública e Social (Seops) fez 3.885 remoções de obras ilegais no DF em 2013. O órgão não soube precisar quantas foram apenas no meio rural. Nas estatísticas estão propriedades localizadas em: Samambaia, Ceilândia, Taguatinga, Brazlândia, Paranoá, Planaltina, Recanto das Emas, Sobradinho e São Sebastião. Quando o parcelamento não acontece sem que o governo se dê conta, o forma-se um jogo de gato e rato entre fiscais e invasores. 

Os grileiros parecem não se importar e insistem em desafiar as autoridades. Entre as terras destinadas a plantações e à criação de gado, Sol Nascente, em Ceilândia, ganha em números de operações de órgãos de fiscalização. Foram 209 ações, com 590 remoções de construções ilegais no ano passado. Mesmo assim, é a área que mais cresce de forma desordenada. O Assentamento 26 de Setembro, em Taguatinga, também recebeu atenção especial da secretaria, onde ocorreram 62 operações e a derrubada de 158 edificações.

A Seops informou, por meio da assessoria de imprensa, que faz vistorias constantes em todo o DF, com vistorias dos agentes do Comitê de Combate ao Uso Irregular do Solo nas áreas públicas, principalmente nas áreas rurais. “A rotina ocorre, principalmente, pela preocupação de que o histórico de ocupações ilegais se repita, uma vez que boa parte dos condomínios irregulares e cidades inteiras do DF, como Vicente Pires, surgiram a partir do parcelamento não autorizado de chácaras”, diz a nota. O órgão informou ainda que o crime de invasão de área pública tem pena de até três anos de prisão e o de parcelamento irregular do solo pode levar a até cinco anos de reclusão.

Combate às invasões

Operações do Comitê de Combate ao Uso Irregular 

do Solo do DF em áreas públicas rurais no ano passado:

Localidade Remoções

Sol Nascente 590

26 de Setembro 158

Morro da Cruz 72

Caub II 7

Monjolo 4

N.R. Vargem da Benção 2

Mestre D’Armas 100

Água Quente 13

N. R. Alexandre Gusmão 7

N. R. Taguatinga 4

Caub 1

Ocupação

Crescimento das ocupações irregulares no DF, 

sendo que um terço está nas áreas rurais:


Ano Invasões

1997 146

2009 316

2013 600* 



Dados: Pdot (1997 e 2009) e estimativa do Ministério Público* 

Invasões desafiam fiscais

As centenas de operações realizadas por diversos órgãos não intimidam grileiros nem compradores de terras irregulares. Poder público admite que reconhecer a situação já consolidada e que a regularização das áreas ocupadas é a única saída.

As ocupações irregulares no Distrito Federal têm superado a capacidade do poder público de combater o problema. As ações não acompanham a velocidade com que surgem e crescem as invasões. Complexo nos núcleos urbanos, a situação é ainda mais crítico nas áreas rurais. Em 2013, o Comitê de Combate ao Uso Irregular do Solo fez, pelo menos, 309 ações de fiscalização e 958 remoções somente em solo rural. Os registros ao longo do tempo indicam, no entanto, que essas operações são inócuas. Para se ter uma ideia, em 1997, o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDot) identificou 146 ocupações irregulares. Dois anos depois, o número pulou para 316. Hoje, seriam em torno de 600, de acordo com estimativa do Ministério Público. Um terço das irregularidades sempre tomou o espaço que deveria ser destinado apenas à agropecuária. O fenômeno é tema da série de reportagens publicada pelo Correio desde domingo.

O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), que tenta combater a ocupação desordenada do solo, seja ajuizando ações, seja assinando termos de ajustamento de conduta (TACs), considera ineficaz a fiscalização do Estado. “Todo dia, recebemos informações de novas ocupações, por meio da polícia, de operações e de denúncias de cidadãos. A situação certamente não está controlada”, afirma o promotor Dênio Augusto de Oliveira Moura, da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística. Opinião partilhada pelo também promotor Karel Ozon Monfort Couri Raad. “São muitas frentes para controlar, e eles (os órgãos do governo) não conseguem monitorar e fiscalizar tudo”, acrescenta.

Diante da incapacidade de impedir a desordem fundiária, resta ao poder público reconhecer a situação já consolidada e regularizar as áreas. A atualização do PDot, feita em 2012, indicou a criação da chamada Zona Urbana de Qualificação e Expansão, que prevê a inclusão de áreas anteriormente rurais e descaracterizadas, como o Setor Habitacional Água Quente e as Colônias Agrícolas Vicente Pires, Arniqueiras, Vereda Grande, Vereda da Cruz e Águas Claras.

Moradora de Vicente Pires, a advogada Karla de Sousa Máximo Gonçalves, 45 anos, mantém o terreno original de quando a cidade era apenas uma colônia agrícola. Na propriedade, há parreiras de uva e hortaliças. Todo o alimento produzido na chácara é vendido em feiras do DF. Cercado por prédios e construções irregulares, o terreno sofreu ameaças de invasão. A dona teme pelo futuro, caso a área vire núcleo urbano. “Na época do meu pai, os chacareiros seriam os beneficiados, ganharam até medalhas do governo, mas isso aqui virou uma Águas Claras, cheio de prédios. O governo vai colocar equipamentos públicos e vão querer tomar um pedaço do que é nosso? Nós que seguimos as regras vamos pagar por isso?”, questionou. 

O subsecretário de Planejamento urbano da Sedhab, Rômulo Andrade, explica, no entanto, que nem todas as invasões são passíveis de regularização. “Não dá para incorporar todos os parcelamentos informais à mancha urbana. Caso isso fosse feito, uma área agrícola que fica entre a ocupação e a zona urbana poderia ser engolida por essa expansão”, pondera. Uma maneira de resolver o impasse é, segundo ele, criar um parcelamento urbano isolado. Por outro lado, Andrade diz ser dever do Estado promover a regularização das áreas. “Não é só um ato social de revolta e ocupação, mas de que o Estado não teve capacidade de dotar espaços urbanizados, com infraestrutura para a comunidade”, completa. 

Última malha

Além disso, o Pdot estabelece a criação de núcleo urbano em área com características agropecuárias, ainda não habitada e que se tornou alvo fácil de interesses imobiliários. É o caso da DF-140, entre São Sebastião e Santa Maria. O terreno de 17 mil hectares teve a destinação alterada no documento de 2009 e se tornou a última malha urbana do DF, dentro de uma região onde são comuns os condomínios irregulares. Desde o ano passado, técnicos da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab) trabalham para estabelecer as diretrizes do novo bairro, que vai abrigar até 900 mil pessoas, quatro vezes a população do Plano Piloto.

Hoje, há mais de 300 empresários do ramo imobiliário interessados em construir um empreendimento no local, entre eles o ex-senador Luiz Estevão de Oliveira Neto, dono do maior pedaço — 2,6 mil hectares. A Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) tem cerca de 20%. Segundo informações preliminares, a região, próxima à cachoeira do Tororó e em um espaço ambientalmente sensível, poderá ter prédios com até 15 andares, indústrias e um centro financeiro.

O promotor Dênio Moura defende que o crescimento de todo o DF deve ser pensado com mais critério. Ele lembra que uma das prioridades deveria ser resolver os problemas já existentes e não pensar em novos eixos de expansão. “O que é plantado hoje, será colhido daqui a 10 anos. Se o trânsito já é caótico na região do Jardim Botânico, o que vai ocorrer se houver um adensamento como o proposto? Isso vai gerar impactos na drenagem pluvial e no abastecimento de água. Também ocorrerão problemas ambientais. Há riscos de uma redução drástica da qualidade de vida”, pondera. 

Contradições

A região onde está prevista a criação de um grande núcleo habitacional na saída sudeste do DF tem menos de 10 habitantes por quilômetro quadrado ,segundo dados da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), densidade típica de zona rural. Enquanto isso, com base nos chamados quadros censitários (recortes com critérios demográficos), a Codeplan identificou situações antagônicas, como o Incra 8, em Brazlândia, área considerada rural que tem mais de mil habitantes por km².

Palavra de especialista

Com vida própria

O Distrito Federal não precisa que sejam criadas mais regiões administrativas, como está sendo colocado em relação à DF-140. Temos hoje um colar de cidades distantes do Plano Piloto que servem basicamente para habitação. À exceção de Taguatinga e do Núcleo Bandeirante, que têm mais autonomia, não há empregos nas cidades para atender suas populações. Elas não têm vida própria. Dados da Codeplan mostram que 48% dos empregos de Brasília estão no Plano, que concentra 8,2% da população. No sentido contrário, as satélites têm mais de 90% da população e 52% das ofertas de emprego. É uma conta desigual. É preciso reverter essa lógica do planejamento urbano da nossa capital. As cidades precisam ser mais autossuficientes para não dependerem tanto do Plano Piloto.

Desde 1960, Brasília segue essa lógica de criar cidades distantes. E essa tendência é repetida agora, à luz da especulação imobiliária, com o projeto de criação de uma cidade que pode chegar a ter quase 1 milhão de habitantes na DF-140. E essas pessoas terão equipamentos públicos? E elas terão empregos? Alguém está pensando nisso ou será a mesma ideia de criação de Águas Claras, que sofre diariamente com colapso no trânsito?

Vemos com preocupação essa proposta, que indica um avanço imobiliário para uma região hoje caracterizada por produção agrícola e áreas verdes, como a DF-140 e o Tororó. As autoridades precisam ter consciência de que aquilo que é área rural e área preservada precisa continuar assim. O poder público precisa investir nesse sentido. A população precisa comer e, para isso, precisa ter produção de alimentos. Todos precisam ter boa qualidade de vida e isso depende de um meio ambiente preservado.

Aldo Paviani é geógrafo e professor da UnB


Fonte: Correio Braziliense - 18/02/2014

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