segunda-feira, 5 de maio de 2014

MP 630/13: Na contramão de junho de 2013

Os manifestantes que saíram às ruas em junho de 2013, em dezenas de cidades brasileiras, pediram transparência nos gastos públicos e, ainda que de forma desconexa, obras e serviços públicos com qualidade “padrão Fifa”. Com a MP nº 630/13, trafegaremos na contramão das ruas.


O Senado Federal decide nos próximos dias um projeto que, no limite, entrega a administração das obras públicas a alguém que não foi eleito para isso. É urgente que as entidades da sociedade se posicionem sobre o tema, analisando os impactos da Medida Provisória (MP) nº 630/13. ...

A MP amplia para todas as obras de engenharia e arquitetura, de todas as esferas administrativas, o Regime Diferenciado de Contratação de Obras Públicas (RDC), criado inicialmente apenas para as “obras emergenciais” de responsabilidade da União. 

O polêmico RDC permite a “contratação integrada” das obras públicas, deixando com a empreiteira a incumbência de projetar, construir, fazer os testes e outras operações inerentes ao empreendimento — assim como foi feito com aeroportos e obras viárias prometidos para a Copa, o que está longe de ser boa referência.

Em outras palavras, a contratação da obra é feita antes de existir projeto. Imagine o Governo do Distrito Federal contratando uma extensão do metrô apenas com base em um anteprojeto. Ou o GDF licitando creches sem nada opinar sobre os materiais a serem utilizados. Por mais estranho que esse cenário pareça, é o que pode vir a ocorrer. 

Três mil arquitetos do país, reunidos em Fortaleza, para os dois mais importantes eventos da categoria, endossaram a posição do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e de outras entidades do setor veementemente contrárias à MP. 

Não se trata da defesa de uma reserva de mercado, uma vez que, projeto, toda obra precisa ter, e continuará sendo feito. O que se discute é o momento em que o projeto é feito e sob a responsabilidade de quem. Sem um projeto completo, elaborado antecipadamente à licitação das obras, a administração pública não tem parâmetros orçamentários para garantir a qualidade, o preço justo nem tampouco controlar o aumento de custos. Em outras palavras, a administração abdica de seu dever de planejar nossos espaços públicos. 

Somos contra a concentração das funções de projetar e construir nas mãos de uma única empresa ou consórcio. Insistimos na tese de que, para obras públicas, “quem projeta não constrói e quem constrói não projeta”. Agora, lamentavelmente, precisaremos ampliar o conceito para “quem projeta não constrói, quem constrói não projeta e quem projeta ou constrói não faz manutenção ou operação da obra”. Explica-se: outra mudança prevista é a inclusão no pacote da “contratação integrada” da possibilidade de o empreiteiro realizar a manutenção e/ou operação da obra por até cinco anos. 

Os manifestantes que saíram às ruas em junho de 2013, em dezenas de cidades brasileiras, pediram transparência nos gastos públicos e, ainda que de forma desconexa, obras e serviços públicos com qualidade “padrão Fifa”. Com a MP nº 630/13, trafegaremos na contramão das ruas.

No requisito da transparência, por sinal, a MP contém dois malefícios. A regra da contratação por técnica e preço, prevista na Lei nº 8.666/93, que regula as licitações, foi mantida, mas ficou facultada ao Executivo a dispensa do critério técnico, desde que tenha argumentos para justificar. Qual argumento seria aceitável?

Mais grave ainda é o item que especifica que a contratação integrada será feita com base em valores praticados pelo mercado. Ficam dispensados os parâmetros dos orçamentos das licitações de obras e serviços dados hoje pelo Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) e do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias (Sicro), também utilizados pelos órgãos de fiscalização para analisarem possível sobrepreço ou superfaturamento. E o argumento, pasme-se, é justamente o de que, como fica ao encargo do vencedor da licitação a elaboração dos projetos básico e executivo, não faria sentido utilizar tais sistemas como base de cálculo. 

A MP atropela, de forma açodada, um projeto que tramita no Senado, para a revisão da Lei nº 8.666/93, algo que realmente precisa ser feito. O bom senso indica que os senadores deveriam discutir a MP nº 630/13 em conjunto, do que resultaria nova legislação de licitações do país, consolidada em todos os aspectos.

Defendemos o óbvio: que a administração pública recupere sua condição de planejar as obras e os espaços públicos; que os projetos das obras públicas sejam licitados pela modalidade “concurso”, com escolha por critério de qualidade; que toda obra pública seja licitada com projeto completo; que os recursos públicos sejam tratados com decência e um mínimo de competência.

HAROLDO PINHEIRO 

Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR)


Fonte: HAROLDO PINHEIRO - Correio Braziliense

Um comentário:

  1. A velocidade com que se constrói um novo Estado à imagem e semelhança dos seus atuais governantes é a mesma que se aniquila as liberdades e direitos individuais, que se desconstrói os princípios da administração pública, que se criam conflitos de classes antes não existentes e tudo isso para concretizar um sonho que nunca morre de PODER SEM LIMITES sobre ESCRAVOS ETERNOS.

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