quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Autodelação sem prêmio

O Planalto está pedindo autorização para abandonar o compromisso firmado com a sociedade de economizar este ano R$ 80,8 bilhões (eram R$ 116,07 bilhões em janeiro)



Por menos que seja novidade e por mais que se queira minimizar seu significado, o projeto de lei enviado ontem pelo governo ao Congresso Nacional para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 é a confissão de perigoso fracasso. O que o Planalto está pedindo é autorização para abandonar o compromisso firmado com a sociedade de economizar este ano R$ 80,8 bilhões (eram R$ 116,07 bilhões em janeiro), para, com isso, evitar o crescimento da dívida pública...

Essa economia é o que a legislação em vigor e os economistas chamam de superavit primário. Trata-se de tudo que o governo deixaria de gastar para diminuir o tamanho do rombo acumulado em décadas de despesas maiores do que as receitas. E como dinheiro não nasce em árvores nem aceita desaforos, esse rombo tem de ser coberto com dívidas. Seja pela emissão de títulos públicos, seja pela contratação de empréstimos bancários, aqui ou no exterior.

A legislação, no caso, é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada na esteira do Plano Real para punir severamente o administrador público que ultrapassar limites claramente fixados por ela. O propósito é evitar que se transforme o dinheiro público em chapéu alheio, gasto à farta para agradar aos amigos e ao eleitorado. 

Não é por outra razão que os países que adotam e, principalmente, cumprem essa política de gestão fiscal são bem vistos pela comunidade internacional. Internamente, funciona como mantenedor da saúde financeira de um país. Externamente, é valioso cadastro que o credencia a receber investimentos e a pagar juros mais baixos para financiar seu comércio e seus projetos de longo prazo. 

Para o Brasil, que precisa retomar rapidamente o crescimento, esse cadastro pode ser decisivo para continuar atraindo capitais com vistas à ampliação e modernização de sua infraestrutura econômica e social. Sem contar, é claro, apertos de curto prazo, como a necessidade de financiar, pelo menos em parte, um deficit anual em conta corrente de mais de US$ 80 bilhões. 

Nada disso, contudo, levou o governo Dilma Rousseff a uma gestão responsável dos recursos fiscais, menos ainda no ano em que ela disputou a reeleição. Desde o ano passado, era evidente que os erros de política econômica estavam convergindo para um ano de baixíssimo ou nenhum crescimento econômico em 2014. Era óbvio, então, que a receita tributária declinaria. Qualquer cidadão responsável, ao perceber perda em sua renda, passa a conter gastos, em vez de se endividar. 

Não foi o que fez o governo central. Pelo contrário, permitiu que os gastos superassem continuamente as receitas. Mais de uma vez, usou a válvula de escape de abater o valor dos investimentos do total da meta de superavit, até que, em setembro, não conseguiu evitar um rombo de nada menos do que R$ 20,399 bilhões. Com isso, toda a economia do início do ano foi consumida e se transformou em um deficit de R$ 15,7 bilhões. 

Para não ser punido, restou ao governo confessar que não fez o dever de casa e pedir a redução das tarefas ao mínimo possível. Para essa autodelação, pode haver perdão para o governo, mas não há prêmio algum para a sociedade.

VISãO DO CORREIO


Fonte: Correio Braziliense -

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