sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Regularização de Vicente Pires se transforma em pesadelo: Terracap ignora função social e cobra valores abusivos de moradores antigos

 


A tão sonhada regularização fundiária de Vicente Pires, esperada há mais de quatro décadas, está se transformando em um drama para milhares de famílias do Trecho 2. O que deveria ser um marco histórico de justiça social e segurança jurídica está se convertendo em motivo de medo, incerteza e indignação.


Moradores que há mais de 30 ou 40 anos construíram suas vidas na região — muitos deles idosos, aposentados e sem renda fixa — agora se veem diante da ameaça de perder suas casas. Isso porque a Terracap, empresa pública responsável pela venda e gestão dos terrenos, está apresentando valores de comercialização baseados no preço de mercado atual, ignorando os princípios da Reurb (Regularização Fundiária Urbana) e o caráter social do processo.


De acordo com a Lei Federal nº 13.465/2017, que instituiu a Reurb, a regularização deve observar o princípio da função social da propriedade, garantindo titulação e permanência aos ocupantes históricos, especialmente nas modalidades Reurb-S (de interesse social). A norma é clara ao prever que o cálculo deve considerar apenas o valor da terra nua, sem as benfeitorias construídas pelos moradores, justamente para não penalizar quem, durante décadas, arcou com o custo da urbanização que o Estado negligenciou.


Em Vicente Pires, contudo, o que se vê é o oposto. A Terracap tem apresentado planilhas que aplicam valores de mercado inflados, incorporando potenciais construtivos e coeficientes de aproveitamento — parâmetros típicos de empreendimentos imobiliários de alto padrão. Na prática, esses cálculos colocam os lotes residenciais com índice de até 2, e os comerciais, até 4, elevando os preços a patamares incompatíveis com a realidade econômica da maioria dos moradores.


A empresa, que deveria atuar em nome do interesse público, está se comportando como uma imobiliária de luxo, impondo preços que inviabilizam a regularização e forçam famílias inteiras ao endividamento ou ao despejo. Para agravar o quadro, os supostos “abatimentos” oferecidos — referentes a obras viárias e grandes  intervenções feitas pela própria comunidade — são simbólicos e não refletem a verdadeira valorização da região proveniente da contribuição dos moradores, que por décadas assumiram o papel do poder público.


A história de Vicente Pires é marcada pela luta popular. Sem apoio do Estado, foram os próprios moradores que abriram ruas, instalaram drenagem, ergueram muros de contenção, pavimentaram vias e criaram uma infraestrutura mínima para tornar a cidade habitável. É essa base — construída com suor, sacrifício e recursos próprios — que hoje serve de justificativa para a Terracap cobrar valores ainda mais altos, sob o argumento de valorização imobiliária.


Juristas e urbanistas alertam que a política de regularização adotada no Distrito Federal viola a essência da lei federal e os princípios constitucionais da moradia e da dignidade humana. A função social da terra não pode ser medida por índices financeiros, mas pelo atendimento às necessidades da coletividade e pelo direito de permanência das famílias em suas casas.


Regularizar não é vender imóvel, é reconhecer o direito de quem construiu a cidade. É garantir segurança jurídica, acesso à cidadania e justiça social. Quando a regularização se transforma em instrumento de exclusão e especulação, o Estado deixa de cumprir seu papel e passa a agir como agente de mercado.


Em Vicente Pires, a promessa de regularização está se convertendo em um novo capítulo de desigualdade. Em vez de garantir títulos a quem lutou por décadas para ver o sonho da legalização se tornar realidade, o governo impõe valores impagáveis, ameaça a permanência dos moradores e coloca em risco a identidade de uma das comunidades mais emblemáticas do Distrito Federal.


A população clama por transparência, revisão dos critérios e respeito à lei. Regularizar é incluir, não expulsar. O que se espera da Terracap e do Governo do Distrito Federal é que cumpram a função social da regularização fundiária — e não transformem a esperança de um lar regularizado em um instrumento de lucro e exclusão social.


O que diz a lei: função social e valor da terra nua


A Lei Federal nº 13.465/2017, que instituiu a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), tem como objetivo garantir segurança jurídica, moradia digna e integração social às ocupações consolidadas.


A norma distingue duas modalidades:


Reurb-S (de Interesse Social): destinada a famílias de baixa renda e comunidades consolidadas há longo tempo. Nessa modalidade, o poder público pode isentar totalmente o pagamento pela área ou cobrar apenas o valor da terra nua, sem incluir benfeitorias ou valorização imobiliária.


Reurb-E (de Interesse Específico): voltada a empreendimentos particulares, áreas de alto padrão ou situações com interesse econômico, em que o custo pode ser calculado com base no valor de mercado.


A Lei nº 13.465/2017, em seu artigo 14, inciso IV, é clara: o cálculo do valor da área regularizada deve ser “compatível com a realidade socioeconômica dos ocupantes e observar o princípio da função social da propriedade”. Já o artigo 35 reforça que o poder público pode conceder isenções ou descontos integrais em áreas consolidadas de interesse social.



Regularização: TCDF veta Acordo de Cooperação da Terracap com ARVIPS e ACIVIP

 

Há previsão de ressarcimentos de estudos técnicos às entidades e o Tribunal apontou irregularidades 


Está provado que a AMOVIPE é a maior entidade representativa de Vicente Pires, cujo histórico de lutas – sempre desapegado e abnegado de coisas materiais - está nas redes sociais, no Jornal Conversa Informal e nos mais de 150 grupos e comunidades de WhatsApp por todo o DF.


Nossa entidade é tão ilibada que, desde sua criação em 2012, não cobra qualquer mensalidade de quem a ela se associa, retratando que a missão de vida e de luta de seu presidente, Gilberto Camargos e de seus diretores, é por uma questão filosófica e de amor ao próximo, jamais por dinheiro.


A penas para situações emergenciais e excepcionais a AMOVIPE admite arrecadar recursos, no formato de “vaquinha”, durante a qual as pessoas doam o valor que podem, para ajudar moradores vulneráveis ou para bancar ações judiciais, sendo que o dinheiro vai direto para a conta do beneficiário ou do advogado patrocinador da ação.


Mas, caro leitor, você deve estar se perguntando o porquê desta defesa tão eloquente da reputação da AMOVIPE. O motivo é o seguinte:


Em 2024 a AMOVIPE entrou com representação no TCDF pedindo que aquele Tribunal investigasse o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado entre a TERRACAP, a ARVIPS e a ACIVIP, para supostamente se cooperarem mutuamente quanto ao processo de regularização, o qual, surpreendentemente, não foi balizado por licitação ou concorrência pública. E mais: não incluiu a AMOVIPE no ACT, sendo a mais representativa.


Após a representação, o Tribunal determinou à Terracap em sua Decisão 1467/2024, que “...se abstenha de realizar o ressarcimento de trabalhos e estudos técnicos desenvolvidos pela Associação Comunitária do Setor Habitacional Vicente Pires – ARVIPS e pela Associação Comercial, Industrial e de Serviços – ACIVIP especificado no Primeiro Termo Aditivo ao Termo de Cooperação Técnica de 29/06/2017, até ulterior deliberação do Tribunal; ...”.


Na sequência da Decisão, o TCDF deixa claro que tal medida se faz necessária para analisar obrigações não seguidas pela Terracap na Lei 8.666/93 (de licitações públicas), sendo um dos motivos a previsão de que o Aditivo ao ACT prevê ressarcimentos financeiros às duas entidades, por eventuais estudos técnicos por elas realizados. 


Versa ainda, entre outras situações, sobre o fato de que a Terracap não verificou previamente e obrigatoriamente a competência técnica da ARVIPS e da ACIVIP para desenvolvimento dos ditos estudos.


Pois bem, os diretores das duas associações, indignados pelo fato de a AMOVIPE ter buscado a transparência no processo, que acarretou na Decisão TCDF 1467/2024, tentam agora, desconstruir a intenção do feito, alardeando que A AMOVIPE causou um prejuízo à população, por possível aumento do valor dos lotes, caso os estudos não sejam aproveitados. 


Ora, a acusação é infundada porque, em nenhum momento a AMOVIPE cita irregularidades nos supostos estudos técnicos, focando sua representação na forma com que foi construído o Acordo de Cooperação, especialmente porque nele há previsão de ressarcimentos.


AMOVIPE alerta a todos que não acreditem em nada dito sobre supostos prejuízos decorrentes dessa representação, porque, se ficar provado que há ilicitudes ou irregularidades no ACT, o problema está nele e não na representação. 


Caberá, então, às partes subscritoras do ACT cumprir as exigências apontadas pelo Tribunal, de forma a saná-los e afastar qualquer possibilidade de prejuízo à população.


Geraldo Oliveira


segunda-feira, 6 de outubro de 2025

JORNAL CONVERSA INFORMAL DE OUTUBRO 2025