"Temos hábitos inadequados"
"É impossível colocar fiscal para todos os varredores e caminhões. É preciso avançar nesse sentido. Os próximos contratos deverão ter um sistema de controle de qualidade bem mais criterioso do que os atuais" "Brasília ter um lixão é uma vergonha para o governo. É humilhante a capital conviver com isso. Mas é culpa também da população que não se organiza e reivindica a desativação. Há muitos interesses nesse caso" ...
Brasília foi referência nacional no tratamento de lixo com a inauguração da Usina de Tratamento da Asa Sul, em 1963. A tecnologia dinamarquesa colocava a capital federal entre as mais evoluídas do mundo no setor. Hoje, a situação é inversa. A cidade abriga o maior lixão a céu aberto da América Latina e enfrenta grandes desafios para cumprir as metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em agosto de 2010.
Manter o DF livre dos sujões também não é fácil, como mostra o Correio com a campanha #cidadelimpa. Atualmente, 25% do orçamento é para custear apenas a varreção. Com dívidas de R$ 80 milhões, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) reconhece os problemas. “Estamos em débito. É humilhante a capital conviver com isso (lixão)”, define a diretora da autarquia, Kátia Campos. Além disso, a ausência de planos de saneamento e de tratamento de resíduos dificulta o trabalho.
Kátia é engenheira civil com especialização em engenharia sanitária e ambiental e mestre em desenvolvimento sustentável. Entre 1993 e 1996, atuou como superintendente de Limpeza Urbana de Belo Horizonte. Agora, convive com a cobrança de uma cidade mais asseada. “Reconheço que está sujo. Isso até o governador e o vice me ligam para dizer. Estamos trabalhando para melhorar”, afirma.
Mesmo assim, segundo ela, o balanço do primeiro semestre é positivo. “Foi difícil para o órgão sair do modo operacional e se tornar gestor de serviços. Aqui não é faculdade para ficar estudando, aqui é governo, e temos a obrigação de implementar políticas públicas. Se eu ficar aqui fazendo piloto, os quatro anos vão passar, e eu não vou ter feito nada”, explica.
Qual é o ponto crítico do SLU?
Temos de aperfeiçoar os nossos mecanismos de controle. Hoje, 100% dos serviços são terceirizados. Mas quem garante que eles estão sendo bem executados? A coleta é um ponto extremamente crítico. É impossível colocar fiscal para todos os varredores e caminhões. É preciso avançar nesse sentido. Os próximos contratos deverão ter um sistema de controle de qualidade bem mais criterioso do que os atuais.
No site do Correio, 81% dos internautas atribuíram a sujeira da cidade aos hábitos do brasiliense. Falta consciência ambiental?
Se o SLU fosse fantasticamente competente para fiscalizar, se a empresa coletora respeitasse os horários, se os equipamentos fossem os melhores, ainda assim se o cidadão não colaborar, a cidade ficaria suja. O papel das pessoas pesa em 80% na limpeza urbana. Porém, o SLU ainda possui algumas precariedades. Vivemos com hábitos inadequados quanto ao descarte dos resíduos. Isso se origina na nossa formação. Não temos a cultura de preservação, reutilização e primor pela higiene. Há registros históricos que mostram que, em 1815, por exemplo, era costume jogar lixo na rua. Naquela época, havia porcos nas praças e nas ruas e lixo por toda a parte, sem nenhuma preocupação com o ambiente.
A senhora propôs um aumento de 40% na taxa de limpeza pública (TLP). Por quê?
Se a população não tem ideia de quanto custa, ela não se preocupa. Se a taxa corresponder ao serviço prestado, as pessoas vão notar a importância de conservar a cidade limpa. Porém, enquanto for subsidiado, o cidadão não terá consciência do custo público. Hoje, o custo total ao cofre público é de R$ 214 milhões. A taxa de limpeza pública representa apenas R$ 130 milhões. O complemento sai de verbas que iriam para saúde, educação e segurança.
O lixão da Estrutural é o maior da América Latina. Isso mancha a imagem da capital federal?
Brasília ter um lixão é uma vergonha para o governo. É humilhante a capital conviver com isso. Mas é culpa também da população, que não se organiza e reivindica a desativação. Há muitos interesses nesse caso. Muita gente vai perder dinheiro com o fechamento. Lá, não se tem controle de nada. Vamos acabar com as atividades ilegais que funcionam lá. Essa história é de conhecimento até de organismos internacionais de regulação e proteção do meio ambiente.
Após dois adiamentos, a previsão é de que o aterro sanitário do DF fique pronto no fim de 2016. Qual é a sua avaliação sobre o projeto?
Contrataram as obras de uma forma que eu não faria. O aterro é de uma magnitude muito grande. Não acho adequado ficar mudando o operador. Há uma proteção ambiental que pode ter falhas. Por esse peso ambiental, eu faria a contratação de uma única empresa para executar todas as obras e operar por 20 anos. Depois, o operador ficaria 30 anos fazendo o monitoramento do lençol freático para aferir se houve contaminação. No mundo, esse processo é feito por concessão, não por licitação de 5 anos, como foi o caso daqui. A minha intenção foi modificar isso, mas não seria vantajoso para o governo pagar pelas obras que tinham sido executadas e retomar um novo modelo de gestão.
Como está o DF no avanço das metas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)?
Precisamos nos adequar em vários pontos. Mas temos qualidades. Por exemplo, não conheço nenhuma capital que faça compostagem de resíduos orgânicos como Brasília. Em contrapartida, a coleta seletiva precisa de severos ajustes. A implantação foi lenta e inadequada. De repente, esse serviço pulou de cinco regiões administrativas para as 31. Isso sem ter um processo de adequação da estrutura. Em Porto Alegre, por exemplo, a coleta seletiva atingiu 70% da cidade em 18 anos.
Qual será o próximo passo para nos adequarmos à PNRS?
Em outubro, quero cobrar dos grandes geradores privados o recolhimento do lixo. Da forma que está acontecendo, é ilegal. Estamos utilizando o dinheiro público para fornecer um serviço privado. Os resíduos de hospitais públicos, ainda estamos coletando, mas a Secretaria de Saúde passará a reembolsar o SLU o valor de R$ 300 mil por mês para arcar com os custos, mesmo isso sendo uma obrigação dos hospitais.
Fonte: correio Braziliense
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