Sumário: Introdução;
1. Base histórica do princípio da impessoalidade;
2. Aspectos doutrinários acerca do princípio da impessoalidade;
3. Vícios da impessoalidade;
3.1. Parcialidade;
3.2. Nepotismo; 3.3. Promoções pessoais;
4. O Dever de imparcialidade da administração pública;
4.1. Imparcialidade na prática de atos vinculados;
4.2. Discricionariedade administrativa;
INTRODUÇÃO
Hodiernamente, o princípio da impessoalidade surgiu pela primeira vez na Constituição Federal de 1988, estampado no caput do art. 37, tratando-se de uma inovação da Carta Magna e, possuindo para alguns doutrinadores o referido princípio duas acepções, que passaremos a tecer:
O primeiro sentido indica que a atuação da Administração Pública deve ser voltada para atender os interesses da coletividade, ou seja, a Administração deve agir de forma imparcial, buscando renegar favoritismos de cunho pessoal em detrimento do todo. Como afirma Meirelles, o Princípio da Impessoalidade, consolidado no caput do art. 37 da Constituição Federal se confunde com o princípio da finalidade pública, pois impõe a Administração um agir, em qualquer circunstância, de acordo com o interesse e a finalidade pública, cominando ao administrador público a prática de ato voltado apenas para o seu fim legal e, devendo, qualquer ato que não siga esse objetivo ficar sujeito a invalidação por desvio de finalidade. Dessa forma, como o interesse público sempre deve ser perseguido, a Administração não pode atuar com vistas a beneficiar ou prejudicar pessoas. Nessa esteira, dispõe Gasparini (2004, p.8):
“A atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, dirigida aos cidadãos em geral, sem determinação de pessoa ou discriminação de qualquer natureza. É o que impõe ao poder público este Princípio. Com ele quer-se quebrar o velho costume do atendimento do administrado em razão de seu prestígio ou porque a ele o agente público deve alguma obrigação.”
A segunda definição do princípio da impessoalidade encontra respaldo legal no artigo 37, §1º da Constituição Federal que proíbe que constem nome, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos em publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos. Como exemplo, podemos citar uma obra pública realizada por um determinado Município que não poderá de forma alguma a construção ser associada à figura do administrador da cidade, mas sim deve ser imputada ao Município que realizou tal serviço através do administrador. Assim reitera Alexandrino (2007, p.141) o princípio da impessoalidade proíbe a vinculação de atividades da Administração à pessoa dos administradores, evitando que estes utilizem a propaganda oficial para sua promoção pessoal.
Dessa forma, vale a pena ressaltar, que qualquer violação aos princípios expressos na Constituição Federal, constantes no artigo 37, caput e aos seus princípios implícitos podem constituir ato de improbidade administrativa. Assim, a inclusão desses fundamentos na constituição de 1988 e a concretização da lei de Improbidade Administrativa, tornaram-se legítimos elementos de combate à corrupção e à impunidade no setor público, mostrando sua eficácia em sentido formal, mas diante do aspecto funcional ainda apresenta algumas falhas que devem ser solucionadas.
Portanto, como resquício de uma cultura herdada do Absolutismo, em que a pessoa do Estado se confundia com a pessoa do Monarca, e passando por outras situações, onde se destaca a naturalidade e normalidade como se encara e se pratica o nepotismo, vê-se que a impessoalidade é um princípio que carece de maior efetividade. Devendo-se atribuir ao princípio um significado autônomo dissociado da ideia de igualdade e conectando-se com a ideia de imparcialidade. Seguindo deste pressuposto, o artigo que se segue pretende discorrer doutrinariamente sobre o princípio em análise e fazer uma breve apreciação histórica acerca da problemática apresentada, a partir de pesquisas bibliográficas e análise de outros artigos e pesquisas que seguem a mesma linha de pensamento.
1. BASE HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
O Regime colonial era fortemente centralizado, Raymundo Faoro demonstra como era tênue a linha que separava a casa real da Administração Pública, pois “o senhor de tudo, das atribuições e das incumbências é o rei- o funcionário será apenas a sombra real”. Diante do subjetivismo, abusos do referido sistema, a objetividade e impessoalidade que se buscava nas relações entre o súdito e autoridade, com vínculos racionais de competência limitada e controles hierárquicos são obras que ficam para um futuro distante e incerto. Assim, o Estado pré-liberal não admitia a fortaleza dos direitos individuais, armados contra as arbitrariedades dos reis. Sob o período das monarquias absolutistas reinava o autoritarismo do Estado, que chegava ao extremo de confundir-se com a pessoa do monarca. Enquanto, centro da estrutura Estatal o soberano tinha poderes ilimitados e dele usava e abusava segundo o seu mero querer, o que denotava a maior expressão de pessoalidade do Poder Estatal.
A forma como a atividade Estatal era conduzida segundo a vontade do monarca e os seus caprichos geravam uma grande insegurança aos cidadãos e, diante da mudança da conjuntura social com a busca das classes menos favorecidas por seus ideais, o sistema foi de certa forma enfraquecendo, surgindo à imediata despersonalização do poder com o nascimento do Estado Democrático de Direito.
Dessa forma, o Estado de Direito veio para reconhecer a soberania popular, sendo o poder legítimo da vontade do povo, devendo ser representado pelo Parlamento e afirmado pela ideia de separação de poderes, surgindo um maior controle dos atos do Poder Público.
Cumpre salientar, que o princípio da impessoalidade possui origem remota no conhecido princípio da imparcialidade administrativa do Direito Inglês, onde foi desenvolvido na Inglaterra a partir do instituto da “natural justice”, sendo, desde muito tempo, acolhida pelo sistema inglês para a limitação da atividade administrativa.
Conforme preleciona Wade (1994 apud Ávila, 2004, p.11):
“Mediante a aplicação deste princípio, as cortes inglesas desenvolveram uma espécie de código para um justo procedimento administrativo- o “fair procedure”. Assim como as regras relativas à razoabilidade e desvio de finalidade permitiam o controle da substância dos atos administrativos, o princípio da “natural justice” permitia o controle do procedimento pelo qual os atos administrativos se formavam.”
As regras que se extrai do princípio da “natural justice” mostra uma restrição da liberdade de atuação da Administração Pública, pois na Inglaterra foi encarado, desde cedo, que os administradores deviam levar em consideração as limitações legais e regras procedimentais, assinalando como verdadeiro obstáculo à eficiência.
O princípio comentado acima apresenta duas regras procedimentais: a de que ninguém pode ser juiz em causa própria e a de que todo homem tem direito de que sua defesa seja ouvida. Por serem normas tão universais, “naturais” e justas, não podem ser confinadas somente à função jurisdicional do Estado. Elas são aplicadas também à função administrativa, e no Brasil, não há outra conclusão, como podemos perceber pelo exposto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Por fim, embora o princípio da impessoalidade sempre tenha existido na concepção de Estado de Direito só foi inserido no Brasil a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, como um dos princípios a serem seguidos pela Administração Pública, conforme dispõe o seu art. 37, “caput” que passamos a descrever: “ A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
2. ASPECTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
A partir da Constituição de 1988, apareceu pela primeira vez estampado o princípio da impessoalidade e, assim, muitos autores passaram a compreendê-lo como um instituto que se coaduna com os princípios da igualdade, finalidade e da própria legalidade. O entendimento majoritário, que apesar de considerar que é da natureza dos princípios da Administração sua capacidade de interação, dispõe que o princípio da impessoalidade não pode ser analisado separado dos demais. Dessa forma, temos várias análises doutrinárias acerca do princípio da impessoalidade com conceitos distintos referentes ao tema, que passaremos a analisar:
Para a autora LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, existe a possibilidade de inclusão da noção de imparcialidade no conceito de impessoalidade, caracterizando-se pelos deveres de isenção e valoração objetiva dos interesses públicos e privados na relação que vai se formar, independentemente de qualquer interesse político. Dessa forma, a impessoalidade obriga o Estado a ser neutro, objetivo e imparcial. Assim, deduz da sua obra que a primeira vista, o princípio da impessoalidade se consubstancia no da igualdade. E, no entanto, é possível haver tratamento igualitário a determinado grupo, mas se este for estabelecido por conveniências pessoais do grupo, estará nitidamente ferindo o princípio em estudo.
Na mesma linha de raciocínio DIOGO MOREIRA NETO, estabelece que a impessoalidade é reflexo da imparcialidade, pois sendo o administrador imparcial este não pode de maneira alguma beneficiar, privilegiar, prejudicar, discriminar, perseguir qualquer pessoa.
CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, por sua vez, depois de realizar diversos estudos sobre o princípio da impessoalidade, atribuiu a este autonomia em relação aos demais princípios. Sob esta ótica, foram atribuídos dois significados ao princípio da impessoalidade: o primeiro envolve a imputação dos atos administrativos não ao agente que os pratica, mas ao órgão ou entidade da Administração Pública, já que este é o autor institucional do ato. Contendo no texto constitucional uma disposição expressa estampada no art. 37, §1º, discorrendo que não devem constar nomes, símbolos ou imagens em obras ou serviços públicos que caracterizem a promoção pessoal das autoridades. A segunda acepção se refere ao tratamento igualitário dispensado pela Administração Pública aos administrados. A administração deve abster-se de demonstrar simpatias, privilégios, ódio, aversão pessoais por determinado grupo, devendo dispensar a todos um tratamento isonômico.
Em conformidade com o pensamento anterior, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, observa que o princípio da impessoalidade, previsto no art. 37, caput da Constituição Federal pode ser visto por dois prismas: o do administrado- significa que o comando da atividade administrativa não deve fazer acepção de pessoas, deve tratar todos de forma igualitária- e do administrador- em que os atos não devem ser imputados ao agente que o pratica, mas sim ao órgão que ele pertence.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO E DIÓGENES GASPARINI possuem a mesma linha de raciocínio, pois equiparam o princípio da impessoalidade ao princípio da igualdade ou isonomia, traduzindo a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem animosidades ou privilégios.
A par dos entendimentos mencionados, DI PIETRO, estabelece que o princípio da impessoalidade está relacionado ao princípio da finalidade pública, conforme transcrito (1992, p.71) “ a Administração Pública não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o seu comportamento”. Outra aplicação da autora para esse princípio, conforme já citado por outros doutrinadores, que os atos devem ser imputados ao órgão e não ao agente que o pratica. Porém, esta se distingue, pois inclui na impessoalidade as hipóteses de impedimento e suspeição da lei 9.784 de 1999, tendo em vista que criam a presunção de parcialidade no processo administrativo.
Por fim, diante dos vários conceitos distintos mencionados para o princípio da impessoalidade, ANA PAULA OLIVEIRA ÁVILA (2004, p. 25-26), apresenta uma interligação dessas várias definições, explicando de uma forma mais abrangente o reportado princípio, conforme se aduz:
“A impessoalidade restará explicada como princípio que impõe à Administração Pública o dever de respeitar o direito de igualdade dos Administrados e de não se valer da máquina pública para lograr proveito pessoal ou de outrem; o dever de proceder com objetividade na escolha dos meios necessários para a satisfação do bem comum; o dever de imparcialidade do administrador quando da prática de atos e decisões que afetem interesses privados perante a Administração, e, inclusive, na decisão sobre o conteúdo dos interesses públicos em concreto; o dever de neutralidade do administrador, que deve caracterizar a postura institucional da Administração e determinar aos agentes públicos o dever de não deixar que suas convicções políticas, partidárias ou ideológicas interfiram no desempenho de sua atividade funcional; e, ainda, na sua exteriorização, o dever de transparência”.
3. VÍCIOS DA IMPESSOALIDADE
A doutrinadora Cármen Lúcia Antunes Rocha foi a pioneira em apresentar uma sistematização dos vícios que atingem o princípio da impessoalidade. A referida autora arrolou quatro possibilidades de vícios que são: o nepotismo, o partidarismo, a pessoalidade administrativa na elaboração normativa e a promoção pessoal. Mesmo não tendo citado a parcialidade como vício, ela reconhece esta possibilidade, pois em sua obra afirma que quando a finalidade do ato não leva em consideração o interesse público, mas o benefício pessoal ou o prejuízo particular, por razões subjetivas e, portanto, parciais, o comportamento do administrador vai estar maculado de invalidade, pois este não atua como agente público, mas privado, nele introduzindo pecado sem perdão no Direito.
Dentre os vícios que passamos a discorrer, o mais comum é o vício da pessoalidade, ocorrendo quando o administrador deixa-se levar pela influência externa e passa a motivar subjetivamente sua conduta no desempenho da função pública.
A similitude entre as diferentes formas de vício de pessoalidade é a perspicácia com que esses interesses alheios se amoldam às finalidades públicas, subjetivando uma atividade, que estando legalmente determinada deve ser objetivamente cumprida. Diante do exposto, vamos analisar individualmente alguns vícios apontados:
3.1. PARCIALIDADE
Ocorre quando na tomada de decisões ou na prática de atos administrativos, o administrador possa agir influenciado por fatores contrários às finalidades públicas e ao bem comum. Assim, para o atingimento concreto das finalidades públicas deve o servidor público apresentar-se despido de qualquer vontade pessoal. No entanto, p assamos a analisar as diferentes formas como Galligan classifica a parcialidade que são três: parcialidade pessoal, parcialidade sistêmica e parcialidade cognitiva.
O primeiro tipo de parcialidade, refere-se a ampla esfera de interesses pessoais, sentimentais ou financeiros em benefício de terceiros, que se existirem, maculam a decisão ou o ato administrativo, devendo o servidor público ser considerado incapaz de decidir de forma adequada qualquer decisão.
Já a parcialidade sistêmica, diz respeito às tendências do indivíduo, que resultam do fato de ele pertencer a uma determinada classe social, ou ter tido determinada vida pregressa, ou trabalhar em determinado segmento. É natural que existe certa afinidade entre indivíduos do mesmo segmento ou que tenham tido experiências semelhantes. Todavia, não significa dizer que essa forma de pessoalidade seja algo tolerável ou inevitável. Até porque é uma forma de pessoalidade tão prejudicial como qualquer outra, devendo ser evitada, já que provoca distorções no processo administrativo.
A última forma de parcialidade é chamada de cognitiva que compreende a ideia de que no processo de formação da decisão assumem-se certas premissas que são injustificáveis à luz dos fatos e que levam as conclusões falsas. Devendo a decisão ser baseada dentro dos parâmetros legais, pois nenhuma escolha legítima inclui a opção por razões baseadas em sentimentos pessoais ou interesses financeiros.
A simples presunção de que possa haver um posicionamento parcial do gestor, já é suficiente para violar a tomada de decisão ou a prática do ato, devendo ser arguida a invalidade do processo. Dessa forma, a mera suspeita já obscurece o processo e ameaça o interesse público na necessidade de uma Administração transparente, que mereça a total confiança dos administrados.
Para concluir, as hipóteses de impedimento e suspeição servem como forma para proteger o agente público de influências que possam contaminar suas decisões e, assim, mostrar uma repercussão negativa da prática de atos por servidores presumivelmente interessados.
3.2. NEPOTISMO
A prática denominada de nepotismo é um vício frequente à impessoalidade. A razão de ser um vício é mais do que evidente, pois manifesta a intervenção do subjetivismo e preferências em razão de laços de parentesco na atividade administrativa. O nepotismo surgiu no Brasil juntamente com os seus descobridores, pois fazia parte de um Estado onde vigia o regime monárquico, mostrando que já estavam habituados ao personalismo imprimido pelo Poder Público.
Todavia, mesmo com práticas contrárias ao princípio da impessoalidade pela Corte Imperial, a Constituição de 1824 já apresentava disposições legais nitidamente opostas à pessoalidade. Atualmente, temos na Constituição Federal de 1988 uma vedação para afastar nitidamente uma possível prática de nepotismo ao expor que para o ingresso na carreira pública é necessário a prévia aprovação em concurso público, conforme dispõe o art. 37, inciso II, da CRFB de 1988, transcrito:
“(…) a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
Mesmo deixando claro que para ingresso em carreira pública é necessário aprovação em concurso público, encontramos uma ressalva no dispositivo ao permitir a livre nomeação para cargos em comissão o que deixa uma porta aberta para a prática do nepotismo.
No entanto, a emenda constitucional nº 19 veio prestigiar o princípio da impessoalidade ao limitar, na redação do inciso V do artigo 37 da Constituição Federal, o exercício das funções de confiança aos servidores ocupantes de cargo efetivo e destinar aos cargos em comissão apenas as atribuições de direção, chefia e assessoramento, em percentuais mínimos estabelecidos em lei.
Dessa forma, vemos que o nepotismo é uma prática que, infelizmente, afeta a esfera dos três poderes e está longe de ser resolvida. Os parlamentares, por exemplo, tem interesses próprios a serem resguardados no que diz respeito a essa questão, visto que muitos são aglutinadores de familiares em seu gabinete.
Assim, ressalta-se que o entendimento jurisprudencial apresentado atualmente, refere-se que quando o art. 37 da CRFB dispõe sobre cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Somente os cargos e funções singelamente administrativos são alcançados pela superioridade do artigo 37, com seus importantes princípios. Então, essa distinção parece necessária para, no caso, excluir do âmbito, como exemplo, os secretários municipais, os secretários de Estados e os ministros de Estrado.
Assim, em 2008 foi editada a súmula vinculante nº 13, sendo inseridas hipóteses de nepotismo, todavia, não houve o exaurimento de todas as possibilidades de configuração do nepotismo na Administração Pública e, diante do exposto, temos um julgado abaixo transcrito do Ministro Relator Dias Toffoli, que relata perfeitamente esse entendimento:
“Reclamação- Constitucional e administrativo- Nepotismo- Súmula vinculante nº 13- Distinção entre cargos políticos e administrativos- Procedência. 1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um múnus governamental decorrente da Constituição federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual ‘ troca de favores’ ou fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13”. (Rcl 7590, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 30 de setembro de 2014, DJe de 14 de novembro de 2014)
3.3 PROMOÇÕES PESSOAIS
A promoção pessoal está manifesta no artigo 37, §1º da Constituição Federal, vedando expressamente a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos quando constar nomes, símbolos e imagens que os caracterizem, diante da publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanha de órgãos públicos.
O mencionado dispositivo parece reconhecer que, geralmente, os interesses públicos e privados se encontram interligados e, por isso, ele permite a realização de publicidade pelos órgãos públicos, desde que sujeita a limitações e seja investida em caráter educativo, informativo ou de orientação social.
É bom ressaltar que o artigo 37, §1º da Constituição Federal de 1988 não proíbe que da publicidade constem nomes, símbolos ou imagens, todavia, o que ele condena é a utilização para caracterizar a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos de nomes, símbolos ou imagens. Um recente caso que temos notícia, enquadrando-se perfeitamente com o mencionado acima foi a perda do cargo, suspensão dos direitos políticos, desembolso de valores e multa aplicadas aos atuais prefeito e vice do município de Serra Negra. A condenação se deu por acolhimento de Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público, por ato de improbidade administrativa, em razão da distribuição de revista intitulada “Honestidade e Juventude”, cujo conteúdo trazia noticias sobre a Administração, com intuito de propaganda e promoção pessoal dos agentes públicos. De acordo com os autos, a revista foi patrocinada por empresas privadas que mantinham contratos em vigor com a Prefeitura.
Por fim, a incidência do dispositivo em questão deve ser analisado observando caso por caso e, uma vez constatada a ilicitude da manifestação publicitária, estará configurado desvio de finalidade, considerando-se, via de regra, o ato inválido e a consequente responsabilidade do agente pelos prejuízos causados ao erário. Corroborando com o que foi citado, vamos transcrever dois julgados que mostram interpretações diferentes, restando comprovado que o preceito em questão é analisado caso por caso:
“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Promoção pessoal de prefeito municipal. 1. Publicidade redacional paga com recursos públicos, em que é enaltecida a pessoa do prefeito municipal, constitui ato de improbidade administrativa tipificada no art. 11 da lei nº 8.429 /92, por ofender o art. 37, § 1 º, da CRFB. 2. Anúncio destinado a divulgar láurca obtida por empresa local, notadamente quando associado a dístico ligado à gestão do prefeito em exercício, mandando publicar pela Prefeitura, também ofende o art. 37, caput e §1 º da CRFB. 3. Não é ofensivo, porém, anúncio que faça alusão en passant a cumprimento de meta de campanha, quando desacompanhado de nomes, símbolos ou imagens que o liguem diretamente à pessoa do candidato vitorioso. 4. A simples instauração do inquérito civil, por consistir terapêutica eficaz, desautoriza aplicação de sanção outra que não multa correspondente a um vencimento do agente, aliada à condenação na reparação do dano. 5. Ação julgada parcialmente procedente. Recurso do autor não provido. Recurso do réu provido em parte para excluir da condenação indenização relativa a anúncio não considerado ilegal.” (TJ-SP- Apelação: APL 994092504328 SP).
Outra percepção do referido artigo podemos analisar nesse julgado de reexame necessário:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO- REEXAME NECESSÁRIO- AÇÃO POPULAR- PREFEITURA MUNICIPAL DE DOIS VIZINHOS- PROPAGANDA PUBLICITÁRIA PARA PROMOÇÃO DA “EXPOVIZINHOS 2003”- INOCORRÊNCIA DE PROMOÇÃO PESSOAL DO PREFEITO MUNICIPAL OU DO PARTIDO POLÍTICO AO QUAL É FILIADO- NÃO CARACTERIZADA OFENSA AO ARTIGO 37, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL-SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. 1. O artigo 37, § 1º,da Constituição Federal, estabelece que a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais deverá ter caráter meramente educativo, informativo ou de orientação social, ficando absolutamente vedada qualquer espécie de benefício ou proveito individual do administrador. 2. Como o material publicitário apresenta caráter meramente informativo e de orientação social, não restando configurada qualquer vinculação entre a divulgação da exposição e a pessoa do Prefeito Municipal, nem ao partido político a que este é filiado, não há que se falar em auto promoção às expensas do erário público.” (TJ-PR- Reexame Necessário: REEX 3413778 PR 0341377-8)
4. O DEVER DE IMPARCIALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A ideia de impessoalidade abrange a de imparcialidade, refere-se a mesma definição de necessidade de atuações e tomadas de decisões desinteressadas, isentas e objetivamente orientadas. A imparcialidade diz respeito à forma como a Administração se relaciona com os particulares no modo como faz a composição dos interesses que se colocam no seu contexto decisório.
É indiscutível que tanto os órgãos administrativos como os órgãos judiciais buscam objetivos predeterminados pelo legislador, empenhando-se na aplicação da lei. Existem, no entanto, similitudes entre a atividade da Administração e a atividade judicial, tais semelhanças procedem devido a circunstância da Administração emitir “juízos” no exercício da função administrativa, necessários para uma atuação objetiva, perseguindo sempre o interesse público.
Assim, na criação da sentença e do ato administrativo põem-se semelhantes questões, eis que ambos são atos de aplicação da lei, afetando diretamente interesses individuais. Dessa forma, os procedimentos administrativos e processos judiciais se estruturam sob a égide de princípios comuns como legalidade objetiva, imparcialidade, impulsão oficial, garantia da defesa, igualdade, publicidade, tipicidade e motivação.
Temos como exemplo de violação ao dever de imparcialidade um julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de mandado de segurança, afirmando como desrespeito ao dever de imparcialidade investigados com interesse na causa ouvidos na qualidade de testemunha e o processo disciplinar deflagrado por portaria emitida por um dos investigados, que também designou os membros da comissão disciplinar, sendo inadmissível, por ferir o art. 18 da lei 9.784 /99, abaixo transcrito:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR DEFLAGRADO POR PORTARIA EMITIDA POR UM DOS INVESTIGADOS, QUE TAMBÉM DESIGNOU OS MEMBROS DA COMISSÃO DISCIPLINAR. INADMISSIBILIDADE. ART. 18 DA LEI 9.784 /99. INVESTIGADOS OUVIDOS NA QUALIDADE DE TESTEMUNHAS, SEM COMPROMISSO DA VERDADE. INIDONEIDADE DA PROVA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE E IMPESSOALIDADE. ORDEM CONCEDIDA, EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL. 1. O Processo Administrativo Disciplinar se sujeita a rigorosas exigências legais e se rege por princípios jurídicos de Direito Processual, que condicionam a sua validade, dentre os quais a da isenção dos Servidores Públicos que nele tem atuação; a Lei 9.784 /99 veda, no seu art. 18, que participe do PAD quem, por ostentar vínculos com o objeto da investigação, não reveste as indispensáveis qualidades de neutralidade e de isenção. 2. É nula a aplicação de sanção demissionária a Servidor Público Autárquico, em conclusão de PAD destinado a apurar as irregularidades constatadas pela Controladoria-Geral da União na Gerência regional de Administração do Ministério da Fazenda do Estado da Paraíba, que foi inaugurado justamente por um dos gestores em cuja gerência foram detectadas irregularidades, que exerceu sua competência como se não estivesse entre os acusados. 3. O mesmo entendimento deve ser aplicado no que pertine à prova testemunhal, que foi prestada por Servidores também relacionados no relatório da CGU e que, por estarem sendo objeto de investigação, sequer prestaram o compromisso de dizer a verdade perante a Comissão. 4. Ordem que se defere, para anular a Portaria 300, de 23 de dezembro de 2008, do Ministro do Estado da Fazenda, determinando o restabelecimento da aposentadoria do impetrante, garantido os proventos e direitos inerentes à aposentadoria desde a data de sua cassação, sem prejuízo da instauração de outro procedimento punitivo, se couber.”
Vale Ressaltar, que o cabimento do dever de imparcialidade deve estar inserido nas diversas atividades executadas pela Administração, sejam essas tipicamente exercidas pela Administração ou não. E, sabendo que a atividade administrativa se expressa por meio de atos administrativos, ao longo desse tópico analisaremos a aplicação do dever de imparcialidade nas duas grandes modalidades de atos administrativos, vinculados e discricionários, e no processo administrativo.
4.1. IMPARCIALIDADE NA PRÁTICA DE ATOS VINCULADOS
Atos vinculados são aqueles em que a lei regula antecipadamente, em todos os aspectos o comportamento que deve ser adotado pela Administração. Dessa forma, na prática de atos vinculados poderá ser abstraído o próprio interesse público, uma vez que o importante para a administração é dar cumprimento às leis.
A execução da lei é a forma confiável pela qual a Administração vai realizar as finalidades públicas, e se algum interesse puder ser imputado à Administração, este só pode consistir no interesse de executar a lei com objetividade, diante disso sem contrariar o princípio da impessoalidade, é que estará desincumbido de perseguir as finalidades (ou interesses públicos) veiculadas na norma.
Assim, existem críticas diante da imparcialidade da Administração Pública, primeiro como ela é parte e possui interesse próprio, o interesse público a ser perseguido, não é seu próprio. A Administração é apenas o meio ao qual se confia a sua realização. Segundo, na atividade vinculada, a realização do interesse público é o resultado do cumprimento da norma, já que estamos tratando de um Estado democrático de Direito. Não há espaço para o interesse próprio da Administração, a não ser quanto ao cumprimento da norma.
Como a atividade administrativa se relaciona diretamente com a lei, no plano da prática pode-se abstrair esse interesse público, já que ele deve estar contido na norma. Assim, a realização da ordem jurídica se faz por atos humanos, interessados, razoavelmente aptos para impor os valores e interesses estabelecidos pelo legislador.
Por fim, a busca pelo dever de imparcialidade, objetividade e desatenção aos interesses inapropriados ao Estado e à sociedade deve ser imperativo sempre pretendido incessantemente pelo agente público.
4.2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
Conforme dispõe Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p. 266) atos discricionários “seriam os que a Administração pratica com certa liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência ou oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles” valoração da conduta. O agente avalia a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar na qualidade de administrador dos interesses coletivos.
Podemos perceber que o interesse público assume posicionamentos diversos em relação aos atos vinculados, pois nestes não resta margem para a definição de interesse público, já que vem predeterminado na lei. Quando se fala em atividade discricionária, o dever de imparcialidade também deve ser utilizado e aplicado e, ainda, adquire plena vigor a sua função limitadora. O administrador, no exercício do poder discricionário, para a tomada de decisão diante do espaço legal que lhe é conferido, suas opções devem ser condicionadas a imparcialidade e devidamente explicitadas, para que possam ser controladas, através de necessária motivação.
Vale ressaltar, que o dever de imparcialidade determina que a Administração não pode prender-se exclusivamente nas suas próprias razões, desprezando a qualificação do interesse descrito pelas demais pessoas envolvidas. Considerando que em razão da competência definida em lei, para que a Administração integre o interesse público, não exposto por completo na norma, e surgindo interesses considerados pertencentes à própria Administração, deverão ser estes ponderados e confrontados juntamente com todos os demais afetados pela atividade administrativa, não havendo, necessariamente, de prevalecer o interesse da Administração em relação aos demais, assim, deve ser analisado caso por caso.
O papel indispensável que a imparcialidade vem a apresentar é a ponderação feita pelo administrador de forma desinteressada, imparcial, isenta e objetiva, porque senão o administrador poderá utilizar a competência discricionária para satisfazer os interesses que bem entender, desconsiderando as circunstâncias do caso concreto para manipular as suas próprias circunstâncias.
Corroborando com o que foi anteriormente apresentado, fazem-se as seguintes conclusões:
a) A competência discricionária é competência para definir administrativamente o interesse público, deve a administração definir, todavia, o interesse público total ou parcial indefinido na norma;
b) Tendo que definir o interesse público é necessário percorrer um iter, passando pela identificação dos interesses e bens jurídicos envolvidos no caso em questão e pela ponderação imparcial dos mesmos;
c) Se não existe a prevalência, a priori, dos interesses públicos, estes entram para a “balança” das ponderações com o mesmo peso dos possíveis interesses privados envolvidos, de modo que não se verifica o interesse que impeça o Administrador de agir de forma impessoal e imparcial;
d) O Administrador por causa do dever de imparcialidade no momento de fazer a ponderação deverá agir tendo em vista um único e determinado interesse, mas deve ter em vista a possibilidade de satisfazer ao máximo todos os interesses envolvidos (concordância prática), o que será, então, determinante para a idoneidade do resultado que apontará o interesse público a ser perseguido.
5. CONCLUSÃO
Ao longo de toda a pesquisa evidenciou-se que o princípio da impessoalidade acena para diversas significações, levando sempre em consideração a necessidade de imparcialidade e objetividade nas avaliações e atividades procedidas pela Administração Pública.
O dever de imparcialidade surge como o aspecto mais importante do princípio da impessoalidade, pois impõe uma postura de isenção e objetividade aos agentes administrativos com relação aos interesses dos administrados, em praticamente toda a extensão da atividade administrativa.
No entanto, existem diversos mandamentos de imparcialidade que passaremos a expor: o dever de colocar em segundo plano o interesse próprio, seus ou de outrem, que sejam insignificantes para dar cumprimento às finalidades estabelecidas pela norma para atividade administrativa; o poder de isonomia em relação a todos os possíveis interessados nos atos praticados pela Administração Pública, mantendo-se a isenção desejada; o dever de ponderação de todos os interesses, públicos ou privados, envolvidos na execução das normas pelos entes administrativos; para não contaminar os procedimentos e processos, o dever de afastamento dos agentes que tenham interesses próprios, diretos ou indiretos, nos feitos que realizam em nome da Administração Pública.
Vale ressaltar, que analisamos nesse trabalho que o dever de imparcialidade tem lugar no âmbito decisório, além da prática de atos vinculados e discricionários da Administração Pública. No ato vinculado, a atividade que deverá ser desempenhada pela Administração já está previamente inserida na norma posta pelo legislador. Já no ato discricionário, a Administração atua com certa margem de liberdade, mas sempre dentro dos limites legais, exigindo uma atuação imparcial na delimitação do interesse público específico, motivo da discricionariedade, diante do caso concreto.
Podemos perceber que o agir com discricionariedade tem sido o pano de fundo para a execução de inúmeras ações contrárias ao direito atingindo diretamente os princípios básicos e necessários para a correta prática de atividades administrativas; concomitantemente, as brechas da lei e a falta de controle da administração por parte dos administrados têm deixado margem para uma política desprezível em que os interesses particulares se sobrepõem aos públicos. Ao invés de ações sempre pensadas com vistas ao interesse público, são normalmente destinadas a fins eleitoreiros e diversos do que realmente seria correto, inclusive, por vezes, concede vantagens a determinados grupos, onerando demasiadamente o erário público, comprometendo, desta forma, sua credibilidade junto à população. Mesmo com políticas anti-nepotistas, sem favoritismos, os administradores continuam trazendo aos locais de confiança da administração pessoas que são ligadas a eles por um grau de parentesco, deixando, portanto, de colocar nestas funções, técnicos especializados na atividade em questão para beneficiar uma pequena parcela pelo simples fato de serem aliados políticos ou de existir uma espécie de simpatia entre eles.
Portanto, temos exemplos infindáveis de casos que ferem diretamente o princípio da impessoalidade e apesar das divergências apresentadas por diversos doutrinadores acerca desse referido princípio, conclui-se que a problemática não é de fato o entendimento doutrinário, mas a dificuldade que se verifica quanto a sua aplicabilidade, buscando uma maior necessidade de fiscalização popular, atuando como fiscal da coisa pública, de modo a impedir de maneira veemente arbitrariedades por parte do administrador.
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